O refúgio – Tribuna do Norte
Cláudio Emerenciano
Professor da UFRN
A paisagem, a contemplação inebriante da natureza, a influência de circunstâncias no estado de espírito, os devaneios que renascem na memória. A saudade de tempos perdidos, sua busca e reconquista. Os ideais que animam e inspiram o viver. A fé que remove montanhas e lança o homem no infinito. A decisão e o ato de partilhar, unir uns e outros, permitem ao homem mergulhar no sentido da vida. Entendê-lo. Nada importa sem que a vida signifique amar, criar, unir, sonhar e ascender.
Os sentimentos e as paixões não se distinguem pelo lugar. A condição humana irrompe e se manifesta originalmente pelos laços afetivos que a movem. Somos dependentes uns dos outros. O homem, mesmo sem o saber, carrega dentro de si a nostalgia de uma luz que nunca viu: a Luz de um Reino imperceptível e para muitos inalcançável. Esse Reino é espiritual. Assume forma e se delineia pela fé. Os sonhos percorrem caminhos distintos. Não há fadiga.
Há mudanças conforme circunstâncias, que se apresentam como desafios, estímulos ou condicionantes. Em 1984 Milan Kundera publicou “A insustentável leveza do ser” com êxito universal. O romance gira entre quatro personagens. Ressalta as conseqüências de opções na vida ou a interferência de conjunturas que oprimem psicológica ou socialmente. O livro suscitou reflexão planetária sobre o tema. Em 1988 Tom Wolfe publicou “A fogueira das vaidades”, tendo como cenário a cidade de Nova York e arredores.
Mas sua temática ainda é atual, exibindo a perturbadora e sombria mistura de violência, impunidade, politicagem, corrupção e, sobretudo, manipulações na maneira de ser, agir e pensar pela mídia eletrônica. De lá para cá se ampliou esse “tsumâni social” com a incontrolável influência de redes sociais de todo gênero e gosto. Espanta-me o surto de “banalidade do mal”, que se alastra pelo mundo. Há uma cultura de violência, histeria e intolerância. A releitura do livro de Hannah Arendt “Eichmann em Jerusalém – um relato sobre a banalidade do mal” realimentou perplexidades. A televisão informa, mas não opina.
A percepção de cada um nasce na infância. Lembro-me que, a partir dos sete anos, no veraneio em Redinha, costumava acordar antes das cinco horas da manhã. A casa se situava no “maruim”, área localizada à margem direita do Potengí. Na outra margem, em frente, era área do quartel de artilharia do Exército. A visão era paradisíaca. O firmamento, pouco a pouco, desnudava-se da negritude da noite e assumia um roxo frágil, que logo dava lugar a um azul claríssimo. O sol despontava bem distante na vastidão do horizonte.
Parecia vir da África. Deslocava-se lentamente, como se fosse um noivo encaminhando-se para as bodas. Em frente à casa havia uma pequena elevação, na qual me sentava para me incorporar ao espetáculo. Uma brisa suave, típica do verão, trazia-me o cheiro do mar. A praia do quartel terminava numa colina coberta de grama exuberante. O cenário, infelizmente, não é o mesmo. Eis um lugar abrigando reflexões sem fim. Oásis sentimental da cidade…
Albert Camus em “O exílio e o reino” (seis contos) desvendou o estado de espírito dos exilados. No “exílio” revelam-se sofrimentos, amarguras e inadaptabilidade no estrangeiro. Mas o “reino” é um templo metafórico, em que seus personagens redescobrem a magia, a beleza e a ternura dos seus sonhos. Scott Fitzgerald descreveu com nostalgia o refúgio do “Grande Gatsby”, um dos seus melhores romances. Gatsby revolvia o passado, avaliava o presente e perscrutava o futuro.
Imagino- o refúgio dos brasileiros ante esse turbilhão de indignidades e descrença. Mas o “reino” é invencível. Tal como a alma do Brasil…
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