Oitenta – Tribuna do Norte
Dácio Galvão
Mestre em Literatura Comparada, doutor em Literatura e Memória Cultural/UFRN e diretor da Fundação Cultural Helio Galvão
Que tal um som primal de linguagens falantes. Toques ancestrais africanos de pigmeus ou ruídos experimentais tribais. Da selva amazônica. De rios caudalosos. Pororocas. Estalos de chuviscos em folhagens equatoriais. Mimese da natureza transcodificada em ondas sonora? A entidade Naná Vasconcelos faz a diferença. Universo composicional único. Envolto em um microcosmo sincrético lançou os discos: “Africadeus” e “Amazonas”. Seguiu trajetória no free jazz -Codona I, II- flertou a erudição em “Dança das Cabeças” com Egberto Gismonti e assinou o “Sinfonia & Batuques”.
Incorporou maracatu, coco, ciranda, xote, aboio… Cantares numa vida. Visceral no toque do gongo, do tambor bola-de-vidro, berimbau, talk drum… nas emissões vocálicas guturais ecoadas nos efeitos inconfundíveis. Sua obra se expandiu e contribuiu ampliando a cena musical.
De Pernambuco para mundo. Premiadíssimo e legitimado por crítica especializada. Gravou na antológica gravadora alemã ECM. E juntos estávamos nas ações do Projeto Nação Potiguar. Procurando espaços para se manifestar fora do circuito midiático dominante em Natal.
Desdobramentos possibilitaram realizações de seus shows na cidade. E gravações de músicas em CDs. Ou, documentos sonoros integrantes do mapeamento musical do RN. Retrabalhamos cinco linhas de jurema (raiz afro-indígena). Três recolhidas por Mário de Andrade registadas no livro Música de Feitiçaria do Brasil. Arranjos do maestro Gil Jardim/NV executados pela Orquestra Sinfônica: na Suíte Encantaria. As demais foram linhas de jurema coletadas na localidade “Carcará”, em Tibau do Sul. Informadas por mestre Pantico.
Mônica Salmaso/NV fizeram respectivamente canto e percussão. Constam no disco “Toques & Cantares”. A parceria em “Tamatião” -CD Poemúsicas- rendeu homenagem a ave-mangue. Naná na voz e arranjo percussivo. Fizemos o textual: “Cavalos bailam / retesam florestas / adentram ventos / percussionam cascos / mais de mil ruídos” … Vasconcelos pisou fundo em nosso território diverso. Apresentações traziam poéticas. No Festival Literário de Natal-FLIN com Lui Coimbra -violoncelista- destilou poemas de Mário Quintana. No telão projetou imagens do Projeto Língua Mãe.
Regendo cento e vinte crianças: de Brasília-Brasil, Luanda-Angola, Vila Nova de Gaia-Portugal. Na Tenda dos Autores, lotadíssima, performou contagiante ao tocar “Rei Negro”. Poesia-fonética! Rito e Simbologia. Não concessivo. Rigoroso, mas sem frescuras. Certo dia ligou desejoso de participar do Carnaval Multicultural de Natal. Trocamos figurinhas. Passou o telefone para Patrícia, sua companheira. Não rolou. Mas o essencial contributo para o localismo potiguar fixou.
Na efeméride dos seus 80 anos o canto de Clementina de Jesus, reatualiza: “Atraca, atraca que Naná vem chegando”! O Itaú Cultura-SP abriu a Ocupação Naná Vasconcelos. A mostra expõe peças divididas em seis eixos. Memórias. Todos nominados com títulos de álbuns autorais. É conferir.
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