Núcleo ajuda famílias de vítimas da violência no RN a superar o luto
Larissa Duarte
Matteus Fernandes
Repórteres
O luto é uma reação natural e necessária frente à morte. No entanto, quando se perde alguém querido para a violência, o potencial traumático desse sentimento é ainda maior. Esse é o caso de Aparecida Silvino Onias da Silva, 36 anos, que perdeu os três filhos de forma violenta em um espaço de 14 meses. Superar esse momento de dor só foi possível pelo acolhimento que ela recebeu do Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência (Nuavv), implementado em junho de 2022 pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) e que já promoveu cerca de 1,5 mil atendimentos com familiares enlutados. “Se não fosse eles terem me ajudado, eu não teria suportado”, relata a mãe.
O atendimento recebido por Aparecida Silvino, assim como as demais “vítimas indiretas da violência” acolhidas pelo grupo, foi de cunho psicológico, jurídico e de assistência social. É nesse tripé que se baseia a atuação do Nuavv. Moradora do Planalto, em Natal, a mãe enlutada foi uma das contempladas pelo núcleo. A primeira ligação dos profissionais veio após a morte do seu segundo filho, Mateus Onias da Silva, de 15 anos. Depois, ela ainda perdeu o terceiro, Marcos Felipe, de 19.
“Eu já estava desesperada porque já tinha acontecido com o Maurício [primeiro filho morto]. Então, eu entrei em depressão. Fiquei meses internada no hospital. Quando saí, não tinha vontade de viver. E ela [psicóloga] sempre entrou em contato comigo. Muitas vezes eu fui chata com ela, ignorante em dizer que não queria conversa, porque eu achava que a culpa era de todo mundo. Mas agradeço a Deus por ela não ter desistido, de ter continuado conversando comigo, insistindo, tendo paciência, porque não foi fácil”, diz Aparecida Silvino.
A primeira preocupação, nesse caso, foi com a sobrecarga emocional da mãe, segundo Girleianne Souza, psicóloga da unidade do Nuavv em Natal. O primeiro contato, como ela explica, é o de escuta, para entender as especificidades do luto a fim de intervir da melhor forma. No caso de Aparecida, a família já sofria pela perda da mãe dela, em 2019, o que ensejou encaminhamento psicológico diretamente pelo SUS, mas que nunca foi efetivamente iniciado.
Com o Nuavv, ela, outros membros da família e até um amigo próximo foram acolhidos. Com o novo encaminhamento, dessa vez o braço da assistência social do núcleo fez a diferença para que o atendimento saísse do papel. Ela conseguiu consultas com psicólogo, psiquiatra e até fisioterapeuta, já que desenvolveu um problema na coluna, precisou passar por cirurgia e tem o movimento das pernas limitado. Hoje, Aparecida Silvino é contemplada com o Benefício de Prestação Continuada.
De acordo com Sara da Silva, assistente social do Nuavv Natal, a maioria desses atendimentos ocorre com pessoas que vivem nas áreas mais periféricas e em situação de vulnerabilidade. “Então, para além do cuidado da saúde, é preciso outras políticas para conseguir cuidar de quem ficou e prevenir que novas violências aconteçam. Como é o caso da Aparecida”, explica.
“Se não fosse eles terem me ajudado, eu não teria suportado. Eu teria tirado minha vida, como duas vezes eu tentei. É muito importante para cada mãe, tia ou avó que perde um parente ter uma ajuda como essa”, afirma Aparecida Silvino.
“A maioria dos familiares vem com uma sobrecarga emocional extremamente grande, dos sintomas que a gente entende que são as reações do luto. É a questão da dor, da saudade, dos medos, muitos medos, muitas vivências traumáticas, a partir do que eles vivenciaram”, explica a psicóloga Girleianne Souza.
Famílias enlutadas pedem Justiça
Um dos suportes requisitados dentro do Nuavv é o atendimento jurídico. Através do núcleo, as vítimas indiretas da violência podem ter acesso à informação de forma facilitada, com orientação jurídica sobre todas as etapas do processo penal. Maria Antônia da Silva Pessoa, 48 anos, compõe o grupo de usuárias desse serviço. Há três anos ela viveu pela segunda vez a dor de perder uma pessoa querida para a violência.
O primeiro caso aconteceu em 2014, quando o ex-marido, policial militar, foi assassinado por criminosos, no bairro Vale Dourado, em Natal. Em 2021, uma nova ferida foi aberta. O filho, Kellyson Kauã, foi morto aos 18 anos. Ele foi vítima de um crime passional, em 22 de março, quando o trancaram dentro de um quarto e incendiaram o cômodo. Kellyson chegou a ser socorrido, mas com 93% do corpo queimado, ele não resistiu e morreu no dia 1º de abril.
“Todo canto que eu chego, eu digo que ele não era só meu filho, ele era meu amigo, meu companheiro, meu tudo. Para mim foi horrível e está sendo até hoje. Eu fico imaginando tudo que ele passou trancado dentro de uma casa pegando fogo, pedindo socorro”, lamenta. Maria Antônia chegou ao Nuavv no final de 2022 por indicação da comarca de São Gonçalo do Amarante após perceber que ela precisava de maior suporte.
Percorridos 1.262 dias desde a morte de Kellyson, o caso ainda tramita na Justiça e o acusado aguarda o julgamento em liberdade. Para Maria Antônia, quanto mais tempo se passa, maior é o sentimento de revolta pela violência que tirou o filho de seus braços. “Uma mãe que perdeu um filho nunca mais a vida dela será a mesma, porque metade dela morreu junto com ele. São três anos que eu enterrei meu filho e três anos que esse monstro está solto. Eu queria pelo menos que ele estivesse preso”, desabafa a mãe.
Com o apoio do Nuavv, Maria Antônia conseguiu atendimentos psicológicos e psiquiátricos na rede municipal, além de poder acompanhar e entender o andamento do processo. Marielly Souza, assessora jurídica do núcleo, esclarece que esse serviço chega para proporcionar um suporte principalmente àquelas vítimas indiretas que nunca tiveram acesso à Justiça.
“É orientar sobre o que é uma audiência, o que acontece, quem são as pessoas que estavam lá, as informações básicas. Essas informações podem, às vezes, parecer muito pequenas, mas elas são significativas. É trazer o direito delas. É uma espécie de preparação, mas do ponto de vista da informação”, explica.
Caso Zaira Cruz
Outra mãe acolhida pelo núcleo de apoio é Ozanete Dantas, 58 anos, de Currais Novos, na região Seridó. A filha dela, Zaira Dantas da Silveira Cruz, foi estuprada e morta no carnaval de Caicó, no dia 2 de março de 2019. O caso gerou comoção no estado. Mais de cinco anos depois, a mãe ainda clama por justiça, no aguardo pelo julgamento do acusado pelo crime.
“Eu estou atrás, eu corro, eu grito, eu falo, eu busco e não me canso. Eu quero fechar o caixão da minha filha. Eu quero poder encerrar esse ciclo e dizer assim: hoje eu posso deitar e sentir o coração um pouquinho mais leve, mais calmo. Porque todas as noites eu durmo e é aquela noite agoniada. Eu acordo todas as noites de duas, duas e meia, três horas, que é o horário que ele assassinou ela”, relata Ozanete.
Zaira era estudante de Engenharia Química e estava próxima de se formar na universidade quando aconteceu o crime. Ozanete tem esperança que o julgamento saia ainda neste ano. “Hoje eu estou mais forte, eu me sinto mais confiante de que a justiça vai ser feita. Meu esposo até percebeu que eu estou mais tranquila, eu melhorei bastante. Elas [a equipe do Nuavv] me dão o maior apoio do mundo. Estão sempre falando comigo, mesmo à distância”, afirma.
Nuavv conta com unidades no interior do RN
Desde o ano passado, o Nuavv conta com três unidades distribuídas no estado. A implementação foi feita em Natal em 2022 e, atualmente, dispõe de salas também em Mossoró e São Gonçalo do Amarante para atendimento presencial. Além disso, o núcleo conta com atendimento remoto. Pouco mais de dois anos após a criação, os resultados do Nuavv são motivos de comemoração para quem o coordena, o promotor Vinícius Lins.
“Em relação a números, me impressionaram muito. Nós atendemos já 1.458 vítimas. São 1.458 vidas, cujas histórias entraram no Ministério Público e receberam um cuidado especial. Foram 286 encaminhamentos à rede de saúde. Quer dizer, nós temos 286 pessoas que passaram a ter assistência à saúde ou assistência social, onde eles não tinham”, frisou.
Um dos produtos dessa atuação é a produção de pareceres técnicos que demonstram a sequela da violência, além da morte da vítima. “A gente foi estudar o que se produziu na academia sobre o tema, e verificou-se que a cada evento letal, cada morte, você afeta em torno de 7 a 9 pessoas”, diz o promotor. Esses estudos, segundo ele, vão parar no processo e permitem que o juiz considere esses impactos na hora de aplicar a pena.
Como solicitar atendimento
O Nuavv se destina ao atendimento dos familiares de vítimas de homicídio, feminicídio, lesão corporal seguida de morte, latrocínio e morte decorrente de intervenção policial. O núcleo de apoio dispõe de profissionais da área do Direito, Psicologia e Serviço Social, que prestam atendimento especializado. Para solicitar o acolhimento, os interessados devem acionar uma das três unidades no estado, seja presencial ou remoto.
“A gente disponibiliza as duas formas de atendimento: tanto presencial, quanto online. Hoje, basicamente, nesse movimento da expansão, acontece o atendimento prioritariamente online. As pessoas optam muito mais pela videochamada e pela própria ligação. Então, a gente deixa sempre livre a forma de acesso para esse serviço chegar ao usuário”, explica a assessora jurídica do Nuavv, Marielly Souza.
Canais de atendimento do Nuavv
Nuavv Natal: (84) 99972-5351 | [email protected]
Nuavv Mossoró: (84) 99972-4056 | [email protected]
Nuavv São Gonçalo: (84) 99972-2840 | [email protected]