Cosmologia – Tribuna do Norte
Dácio Galvão
Mestre em Literatura Comparada, doutor em Literatura e Memória Cultural/UFRN e diretor da Fundação Cultural Helio Galvão
O sertão com o qual Luís da Câmara Cascudo se identificava estava definido dentro de si. Ao escrever para Mário de Andrade comentando o livro Clã do Jabuti -1927- afirmava ser “sertanejo e amigo teimoso das cores primitivas”. O vermelho, amarelo. Branco, azul, verde e cinza. Pigmentos contidos nos versos do “Poema 3”: “O chão é seco e vermelho, é vermelho/o caminho entre o amarelo do panasco./As pedras brancas vão surgindo como frades/de pedra-branca na vermelha estrada./Sol de chapa!/No horizonte azul que dói nos olhos/os cardeiros abrem as mãos/verdes, verdes, verdes…/Há uma transparência pelo ar/que treme, treme e, na poeira fina/e cinzenta,/ voam folhas secas pelo ar…”O sertão seduzia Cascudo de antes.
Viveu o ambiente nas férias escolares. Em deslocamentos na juventude. Onde o pai nasceu e se tornou comerciante. No sertão potiguar demarcou prospecções. Na primeira correspondência passiva (1924), de Andrade, vem sinais: “o seu nome ficou-me dum artigo lido na Revista do Brasil”. Foram três textos cascudianos publicados no periódico referido. O “Aboiador” focando Joaquim do Riachão, do município Augusto Severo. O “Jesus Cristo no sertão” da oralidade sertaneja. E “Lincantropia sertaneja” do mito lobisomem. Construia a cosmologia do ”vaqueiro legítimo” onde nasce “um cardeiro autêntico”.
No livro Crendices e Tradições -1925- aparece no sumário os títulos “Selenolatria sertaneja”. A “Potamolatria sertaneja”. As “Estórias tradicionais do sertão”. A “Moral e técnica das estórias sertanejas”. “Como se vive no sertão”… Dicas das linhas de pesquisa do escritor natalense. Aberta para poética e que provalvelmente motivaram o amigo paulista consolidar viagem etnográfica ao RN. Previsível a produçaõ de versos sertânicos de Cascudo.
Carregava vivências junto aos “criados, vaqueiros, tangedores” e “curador de rasto!” Rolando baforadas de “cigarrões de palha e a tigela de café com rapadura”. Ambiência anunciada quando da criação de três de seus poemas temáticos “absolutamente flagrantes, autênticos e fiéis”: Poema 1, Poema 2 e Poema 3. Este suscitaria observações de MA sobre o significado de vocábulos, reparos de rítmica, substantivação qualitativa, conceituação de verso livre… Cascudo não levou em consideração.
Exemplificando: havia sugestão de mudar a posição da palavra “vermelho” no final do primeiro verso para abertura do segundo. Perguntava à CC: “não acha que tenho razão?”. Repetida, ela alterava ritmo, leis do verso livre e o seu psicologismo. Luís nada reparou. Manteve original. O artista popular, mestre Dominguinhos -a nosso pedido- musicou, cantou e gravou dentro da rítmica e textualidade cascudiana. Ignorando observações de Mário, fez interpretação consagradoura.
Mesmo quando a “versificação livre saiu bêbada duma vez”! Ou do elogio generalista: “Seus poemas. Bons. Enérgicos retos”! Cascudo e Dominguinhos cruzaram caminhos comuns ignorando observaçoes críticas de Andrade!
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