As ilhas – Tribuna do Norte

As ilhas – Tribuna do Norte
Publicado em 10/10/2024 às 0:38

Vicente Serejo
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Na redemocratização, foi comum a expressão “ilhas de prosperidade”, trazida da academia universitária pelos economistas intelectualizados do MDB. O termo começa a ser empregado nas universidade europeias. Sei disso pelo artigo que Otomar Lopes Cardoso escreveu, ainda nos anos setenta, na sua pós-graduação na Universidade de Louvain, em Bruxelas, na Bélgica. O título: “A pobreza no mundo rico”. A Unesco considera que os pobres, na riqueza, são hoje o quarto mundo.

Ora, se a pobreza severa persiste nas grandes e prósperas economias, e são tão desafiadoras como nos países subdesenvolvidos, como imaginar fácil ao terceiro mundo, como o Brasil, levá-los não à prosperidade, mas ao menos a uma vida digna? Se os programas de distribuição de renda são solapados pelos setores conservadores que buscam um estado com olhos fechados para os que não produzem riqueza fiscal, pois não pagam impostos, como superar uma realidade tão cruel?

Essa retórica, mais do que assumir o disfarce, esquece intencionalmente que é a principal razão das profundas desigualdades. Foi a sociedade que há quinhentos anos decidiu, com a grave consciência de fazê-lo, a não apostar na educação pública e gratuita com a mesma qualidade que é oferecida pela escola privada. E foi buscar a culpa nas vítimas, como se fossem produtos de uma origem estranha e desconhecida. A rigor somos assim e nos fizeram assim, desde a primeira missa.

É por isso que as ilhas de prosperidade estão aí, cercadas de pobreza por todos os lados, como se não fossem uma ameaça ao tão citado desenvolvimento. Esquecem que na inquietação social o primeiro que foge é o capital e, sem capital, a sociedade perde sua força propulsora, como se coubesse ao Estado cobrir, com a saia dos recursos, não todos os desafios sociais, mas ao menos aqueles constitucionalmente garantidos para a saúde, a educação e a segurança. E não acontece.

O desmazelo tem a idade do Brasil. Mas, agora, as ilhas de prosperidade ganharam uma nova nomenclatura: Ilhas Sociais, como chamou Michael França, doutor em teoria econômica da Universidade de S. Paulo e ciclista nas horas vagas. Ele mostra que o desafio é conviver de forma equilibrada em um mundo valorizador da riqueza material em detrimento da compreensão mútua.

A empatia, já sinaliza França, “se tornou uma habilidade esquecida, negligenciada e desprezada”.
O mundo mostra, das nações mais ricas às pequenas instituições, que a famélica teoria da dependência venceu. O mando e seus grandes privilégios precisam que os dependentes continuem dependentes. Do contrário, e se por acaso nasce o sonho de libertação, o mando pode descer pelo ralo. Até instituições culturais que deveriam ser construtoras do seu próprio destino se deixam cair na dependência. O mando é coronelista: protege, mas cobra o preço da proteção que é a obediência.

PALCO

QUEDA – Caiu a hegemonia do deputado Tomba Faria ao perder a prefeitura de Santa Cruz, ele que fez de sua cidade o maior centro de turismo religioso do Estado. As hegemonias cansam?

PERDA – A não eleição de Júlia Arruda é uma perda para a Câmara de Vereadores de Natal. Uma vereadora honesta, voltada para a defesa do certo e do melhor. A independência cobra o seu preço.

MESA – A Fecomercio, com o ‘Mesa Brasil’, ao distribuir milhares de toneladas de alimentos no RN, mostra que é possível defender interesses da classe que representa e cumprir um papel social.

ALIÁS – Quando uma instituição se fecha em si mesma, e sua atuação é sempre em benefício dos seus próprios interesses, desaba no corporativismo que, de direita ou de esquerda, é empobrecedor.

HOJE – Às 17h, no Instituto Histórico, tem a palestra “José de Azevedo Dantas: um arqueólogo no Sertão do Seridó”. Com o historiador Adriano Campelo da Silva e o geógrafo Pedro de Brito.

TIRO – De um intelectual de verdade, muito cedo do dia, com o bom humor inteligente que salva a vida do perigo do tédio: “A cultura em Natal também tem o seu lado b. É o emprego dos sabidos”.

POESIA – De Augusto dos Anjos, do Engenho Pau D’Arco, no soneto ‘Versos Íntimos’, o verso duro como pedra se o egoísmo é a companheiro inseparável: ‘Somente a ingratidão, essa pantera”.

GESTO – De Nino, o filósofo melancólico do Beco da Lama, olhando a vida: “O mundo ainda não aprendeu a lição tão simples do Profeta Gentileza quando ensina que gentileza gera gentileza”.

CAMARIM

FUTURO – Se o deputado Paulinho Freire for eleito prefeito assume sua vaga na Câmara Federal a primeira suplente, Carla Dickson. Na hipótese de ser eleita a deputada Natália Bonavides, quem sobe para a Câmara Federal é Samanda Alves. Mas só assumirá aquela que tiver a reza mais forte.

PORÉM – Segundo fontes que transitam pelos corredores da governadoria, reza forte quem tem é Natália Bonavides em ter Samanda Alves como primeira suplente. A governadora Fátima Bezerra tem interesse direto na sua chegada ao plenário da Câmara Federal. O desafio hoje é eleger Natália.

RECADO – Para uma leitora tão amorável, mas tão injusta: esta coluna só exerceu o seu direito de indagar, comparar e confrontar o que viu nas contradições das pesquisas e seus números e com erros que bateram todos os recordes. No jornalismo, a indagação é a busca legítima da informação.

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