A cantada morreu – Tribuna do Norte
Vicente Serejo
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Peço ajuda aos nascidos com o dom da paciência, se a liberdade de expressão não basta, para defender a cantada pelo dever de sinceridade com os leitores. Os jogos amorosos vivem a sua maior crise de empobrecimento afetivo, vítima da neurose obsessiva nascida daquele mal que o filósofo Luiz Felipe Pondé acusou de desvalorização da manifestação do encantamento diante da beleza na criminalização do velho direito de manifestar o encanto ou mesmo confessar um desejo.
Não está incluído aqui o direito do ‘não é não’, se for uma reação contra a nódoa maldosa da indelicadeza. Renego é o fim de um dos artifícios mais belos nos jogos da sedução que não fere o direito à liberdade de aceitar ou recusar. A sedução diante da beleza é livre. Não se obriga ao regimento dos amanuenses. A carne é sedutora e criada pelo mesmo Deus que fez o homem e a mulher, grandezas e misérias, entre o sagrado e o profano, com ou sem a unção bíblica do Paraíso.
Lembro agora de uma cantada que Zózimo Barroso do Amaral, com todo humor, contou na sua coluna no Caderno B, do Jornal do Brasil. Um advogado chega ao bar que frequentava todo fim de tarde, no Rio. Estava vazio. Mas, de repente entra uma mulher muito bonita, sozinha, senta numa mesa do outro lado do salão e pede um uísque. O homem, olhos jogados na sua beleza sensual, chama o garçom, seu velho conhecido, e pergunta quem é, entre curioso e interessado.
O garçom ouviu com simpatia a pergunta do advogado, mas disse que não sabia quem era. Nunca, antes, estivera naquele bar. Ele olhou mais uma vez, guardando a distância que uma boa precaução recomenda, mas notou que ela não usava aliança. Não se conteve. Puxou o cartão pessoal, escreveu uma frase abaixo do seu próprio nome, e pediu ao garçom que levasse às suas mãos. O garçom ponderou. Tentou evitar que o seu cliente arriscasse a uma reação pouco amistosa.
Pressionado, afinal o sedutor era advogado, levou o cartão e entregou, enquanto a mulher lavava sua solidão com mais um gole de uísque. Calma. Como se só pastorasse a noite. Estava escrito na mais fina e delicada confissão de encanto: “Tem vaga na sua cama?”. Ela fez um ar de riso, de longe, e escreveu logo abaixo da pergunta: “Não. Ele é casado. Eu só vou com ele para motel”. O garçom voltou. Como se trouxesse de volta uma bandeira e o sinal de um belo e triste naufrágio.
Lembro a cantada e volto a Pondé, pós-doutor, no pequeno livro “Fragmentos Filosóficos do Horror”. E é de lá que arrasto a frase sobre as feministas com suas terapias, muitas delas pobres vítimas felizes de Lacan: “Vale lembrar que o feminismo se transformou numa forma brutal de destruição niilista das relações entre homem e mulher”. No trecho seguinte, atira certeiro, no alvo: “Não há Eros onde há feminismo. Ou melhor: o Eros do feminismo está no ressentimento”. Será?
PALCO
AGITOS – Amanhã, sábado, o Mercado de Petrópolis é a sugestão para quem desejar participar dos agitos culturais com a venda de livros, projeções de filmes e os pratos da cozinha nordestina.
ABC – O jornalista Adriano de Souza, no sebo do livreiro Oreny Júnior, no mercado, faz novo lançamento do seu livro ‘O Mais Querido’. A história do ABC é a própria história de todos nós.
EXPO – Amanhã, a partir das 10h, abertura da exposição dos quadros que serviram de capa para a Revista da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras Com curadoria de Manuel Onofre Neto.
CÓDIGO – Uma velha raposa política, procurada pela coluna – preferiu não ter o nome revelado aqui – sentenciou, com toda serenidade e convicção: “Pesquisa nem sempre decifra os silêncios”.
PRESENÇA – Confirmada a presença no Flipipa do jornalista e escritor Lira Neto. É o grande biógrafo de Getúlio Vargas e que acaba de concluir a primeira biografia de Oswald de Andrade.
CASTRICIANO – Pronto, aguardando a data de lançamento, ‘Henrique Castriciano, um século e meio’, de Hailton Mangabeira. Nada revela de novo, mas ilumina o grande poeta de ‘Ruínas’.
POESIA – De Alphonsus de Guimarães, em um belos instantes da poesia brasileira: “Quando Ismália enlouqueceu, / Pôs-se na torre a sonhar… / Viu uma lua no céu, / Viu outra lua no mar”.
VELHICE – De Nino, o filósofo melancólico do Beco da Lama, alisando com olhos cansados o ritmo dos anos costurando os dias: “A velhice é lenta, mas sabe que há uma urgência em tudo”.
CAMARIM
ABSURDO – Ruy Castro acusou, ontem, na sua coluna, na Folha: o governador Cláudio Castro quer mudar o nome do Colégio Estadual Amaro Cavalcanti, no Rio, para Silvio Santos por ter sido seu aluno. Outra agressão cometida por políticos incultos a serviço da demagogias baratas.
DEFESA – Mas, Ruy Castro faz a grande defesa do nome de Amaro Cavalcanti: “Poucos brasileiros têm o currículo tão invejável e em tantas categorias”. E adiante: “Mas Amaro Cavalcanti está morto há mais de cem anos. No Brasil, isso é suficiente para que as mais nobres biografias se esfarelem”.
PIOR – Ruy só erra ao informar que Amaro, irmão do Padre João Maria, é cearense, quando ele é de Caicó. Um dos nomes mais ilustres da cultura jurídica do Brasil. Nossas instituições, entre o café e a bolachinha, calam quando mudam a toponímia da tradição. Com sorrisos de manequim.
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