Repórter da CNN relata “momento de pânico“ após passar 48 h sob poder de milícia no Sudão

Repórter da CNN relata “momento de pânico“ após passar 48 h sob poder de milícia no Sudão
Publicado em 23/10/2024 às 16:51

“La tasweer! La tasweer!” (“Não filme! Não filme!”) gritou o general, com os olhos brilhando de raiva, o maxilar cerrado enquanto ele avançava em nossa direção. Alguns combatentes saltaram da traseira do caminhão da milícia que estava na frente, espalhando-se ao redor do nosso veículo, com os rifles em punho.

O segundo caminhão que nos seguia, de cor bege e carregado com uma metralhadora pesada, parou abruptamente ao nosso lado, nos cercando.

Houve um momento de pânico — eles iriam atirar em nós?

Viemos a Darfur, no Sudão, para relatar a pior crise humanitária do mundo, sem nunca pretender fazer parte da história. Mas meses de planejamento foram por água abaixo em instantes, quando fomos detidos por uma milícia liderada pelo homem que todos chamavam de general.

O cinegrafista Scott McWhinnie entregou a câmera, assegurando-lhe: “Não estamos filmando, não estamos filmando.” O produtor Brent Swails saiu rapidamente do nosso caminhão para tentar acalmar a situação.

“Estamos bem? Estamos bem?”, ele perguntou.

De repente, o general nos deu as costas e pegou um rifle de um de seus soldados, antes de mirar na savana pontilhada de árvores. Fiquei aliviada que a arma não estava apontada para nós, mas ainda perturbada por seu comportamento errático.

Olhei suplicante para o nosso motorista. “O que está acontecendo?”. Seu rosto estava pálido. “Não sei”, ele disse.

O general disparou uma bala. O alvo parecia ser um pássaro. Ele errou.

Chegamos a Darfur do Norte no dia anterior. O objetivo era chegar a Tawila, uma cidade sob o controle do SLM-AW, uma facção do Movimento de Libertação do Sudão, liderada por Abdul Wahid al-Nur, um partido neutro na guerra civil do Sudão.

Caminhonete com metralhadoras pesadas e granadas lançadas por foguetes dos combatentes em Darfur, no Sudão
Caminhonete com metralhadoras pesadas e granadas lançadas por foguetes dos combatentes em Darfur, no Sudão • Scott McWhinnie/CNN

Tawila fica a 51 quilômetros a sudoeste da cidade sitiada de El Fasher, que é a linha de frente da luta pela região de Darfur. Como resultado, tornou-se uma espécie de refúgio para as dezenas de milhares de pessoas que fogem da cidade.

Nas 48 horas seguintes, fomos mantidos sob guarda armada pelo general, o chefe de segurança e cerca de uma dúzia de soldados, alguns que não pareciam ter mais de 14 anos.

Nossa detenção foi ao ar livre, sob acácias. Como a única mulher, e sem espaço privado para me aliviar, limitei minha ingestão de água e comida. O sono, quando veio, foi uma misericórdia, um alívio da sensação de pânico por não saber quando eu seria capaz de ver meus filhos novamente.

Como jornalista, ninguém nunca quer se tornar a história. E, no entanto, nossa experiência é instrutiva para entender as complexidades do conflito em Darfur e os desafios de levar comida e ajuda para aqueles que mais precisam e levar a história para o mundo.

Milhões de pessoas foram deslocadas e enfrentam fome

O conflito no Sudão, que dura 18 meses, foi drasticamente ofuscado pelas guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza, mas a ONU teme que ele possa se tornar muito mais mortal: uma confluência cruel de fome, deslocamento e doenças com as Forças Armadas Sudanesas (SAF) e as Forças de Apoio Rápido (RSF), as duas principais partes na batalha, acusadas de crimes de guerra.

De acordo com a ONU, mais de 10 milhões de pessoas foram deslocadas pela violência, quase um quarto da população do Sudão. Mais de 26 milhões de pessoas — mais de três vezes a população da cidade de Nova York — enfrentam fome aguda.

Em particular, todos os olhos estão voltados para Darfur, onde um genocídio foi perpetrado de 2003 a 2005 e onde crimes de guerra aumentaram os temores de que o pior possa acontecer novamente.

Em agosto, fome foi declarada no campo de deslocados de Zamzam, em Darfur. E, no entanto, apenas alguns jornalistas internacionais conseguiram entrar desde o início da guerra para relatar o que está acontecendo.

*em atualização