Pó – Tribuna do Norte
Dácio Galvão
Mestre em Literatura Comparada, doutor em Literatura e Memória Cultural/UFRN e diretor da Fundação Cultural Helio Galvão
Não era propriamente amizade. Algo mais acontecido. Havia frequências de pontos luminosos convergentes no campo do ideal a impulsionar vidas. Situações profissionais propiciaram. Poderiam ter possibilitado outros caminhos, entretanto… não sabemos exatamente o porquê evoluímos no cintilar de fagulhas simbólicas. De ações e pensamentos. Mistério sempre há de pintar. Conversas no Rio de Janeiro, Natal… identificações em amálgamas culturais. Contatos diretos e telefônicos.
Sua posição conceitual nos últimos tempos: poeta-filósofo! Antonio Cícero, gerava vínculos. Por sensibilidade, discrição, generosidade… Em contenção e humor. Atravessando formações acadêmicas -kantiano, leitor ávido de Horácio- pousamos na “sincronicidade”. Daí o vinco. Vértice da relação. A dica de interpretação junguiana foi de Walter Franco no restaurante Peixada da Comadre, no seis de janeiro, data do seu aniversário. E dos Três Reis do Oriente: Belchior, Gaspar e Baltazar. Mirávamos a Fortaleza dos Reis Magos, ilhada pelo Atlântico. Esclarecia: nada de coincidências no terreno da “sincronicidade” de Carl Gustav Jung. A compreensão individual ou coletiva de “eventos não respondem a lógica linear”. O efeito ou relação pode se manifestar sem causa aparente e fora de patamares da dependência do tempo e do espaço “como é o próprio inconsciente”.
As interconexões com Cícero não foram acasos. Não se represaram. A literariedade, a base. Resultando em trocas, escutas mais das vezes testemunhadas por Eucanaã Ferraz. Um dos irmãos de vida e propósitos. Narrativas envolvendo Waly Salomão, Haroldo de Campos, Mário Faustino, Cazuza… bastidores subterrâneos. Fractais da história da cultura brasileira. Memoráveis partilhas entrecruzadas por Eduardo Jardim -biógrafo de Mário de Andrade-, o poeta-tradutor-roteirista Geraldinho Carneiro… em chão democrático. Pluralidade utópica sobre Pindorama. Resistente e insistente em Ser.
Antonio Cícero apresentou nosso “Poética Geral”: “…devem ser lidos e relidos (os poemas) várias vezes. Será amplamente recompensado o leitor que após dar uma olhada geral no livro, dedique um bom tempo a leitura e releitura.” Participando também do CD-Livro Poemúsicas 2 -nas plataformas de áudio- oralizando o poema “Escrito”. Tratamento sonoro de Cid Campos: “Delírio e construção / Respiro o subjetivo / Edifico a linguagem…” Sendo presença marcante em edições do Festival Literário da Pipa-FliPipa e do Encontro Natalense de Escritores-ENE. Onde rolou o primeiro pocket show lítero-musical junto a irmã, Marina Lima.
Assim o guardo em recortes para além do já reconhecido percurso intelectual. Sem pedestal. No impacto da notícia da ausência física. Da dignidade do retorno: ao pó do chão. Pó, poeira, ventania, movimento… Agradecido por lampejos e processamentos de sinais. No sábado anterior a sua passagem, Marcos Sá, combinou de lhe passar nosso convite para se fazer presente em novembro próximo em Tibau do Sul. Mas…
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