Ainda… – Tribuna do Norte

Ainda… – Tribuna do Norte
Publicado em 08/11/2024 às 1:59

Vicente Serejo
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apelo: ‘Ainda é cedo’. Tem a magia generosa e mansa de tudo adiar com certo carinho. Tem a força para afastar a hora de partir e trazer a alegria de ficar mais um pouco, de evitar a saudade que pode nos encontrar na primeira esquina. Chega com a sensação do afago, e tem seu hino na canção de Chico Buarque de Holanda quando apela a quem ouve: “Não chore ainda não / que eu tenho um violão / e nós vamos cantar”.

Muitas vezes, o ainda é cedo vive até nas coisas mais simples. Numa conversa casual de um bar que a gente vai esticando o mais que pode. No encontro inesperado com um amigo que não se vê há nos. Com aquela mulher que nem é tão bonita assim, mas sensual, e que aparece e desaparece por entre as prateleiras de um supermercado. E até na fuga do olhar fugidio de um velho desafeto, não com medo de encarar, mas com a vergonha da lama da ingratidão que ele não vai esquecer nunca.

Ninguém é tão capaz assim de desvestir-se de todos os medos e todas as mágoas. Nada como um ainda é cedo. Ajuda. É como se as palavras guardassem uma gota de esperança, um pouco-pouco, um doce quase nada. Um jeito meio encabulado de dizer que você fique um pouco mais, se não custa nada demorar um tempinho. É como se dissesse: quem sabe, a qualquer instante, acredite, pode saltar de alguém um velho afago, um jeito de derramar alegria, uma gargalhada feliz para iluminar a vida.

Depois, tem os versos de Cartola. Aqueles que ensinam – a vida é um moinho que vai moendo aos pouco as alegrias e as tristezas. Ele adverte para ter cuidado com o tempo: “Ainda é cedo amor / mal começaste a conhecer a vida”. Há em Cartola um bem disfarçado no triste pessimismo, ao advertir que são frágeis os sonhos e que as ilusões da vida, muitas vezes, são reduzidas a pó. Daí a beleza do ainda é cedo, o múltiplo de todas as esperanças, se temos sempre alguém que nos diz: ‘Ainda é cedo’.

Pensando melhor, e mais desconfiadamente, nem sempre realmente é cedo, mas não é justo condenar o apelo, nascido de quem deseja ter a sua presença um pouco mais. Nem todas as horas são agônicas, um aviso a advertir que é chegado o fim, como nos sonetos parnasianos. Nem todas as horas agonizam ou estão mortas, se usinadas pelos sonhos e as ilusões. Aquele fique mais um pouco, aquele ainda é cedo, são sopros de vida, como se a própria vida fosse o som suave e doce de uma flauta.

Nenhum apelo, mesmo sincero, está livre da despedida, se o adeus for inevitável. Tudo pode ser tarde. Basta que o ‘Ainda é cedo’ tenha sua contraposição. E de novo a vida cairá nos versos que dizem assim, como se o tempo tivesse chegado ao inevitável, naquela voz dramática de Luiz Vieira que um dia encantou o Brasil: “É tarde, eu já vou indo, / preciso ir embora, até amanhã”. É simplório. É. Mas, é a vida que é assim. Afinal, para cada ‘Ainda é cedo’ há sempre um ‘É tarde, já vou indo”.

PALCO

REAÇÃO – Não será tão pacífico assim o efeito de algumas mexidas na distribuição de párocos e vigários na Arquidiocese de Natal. Principalmente gestões que contam hoje com mais de dez anos.

MÉTODO – O prefeito Álvaro Dias tem suas prioridades para a manutenção de nomes. Sabe que os nomes acertados serão mantidos por Paulinho Freire. Mas, a equipe, refletirá todas as suas alianças.

SEGREDOS – Neste fim de ano a literatura ganhou o livro ‘Tarsila, os anos secretos’, da jornalista Renata Koraicho. A primeira reconstrução da atuação política de uma artista que conquistou Partis.

ÚLTIMO – O escritor Mário Vargas Lhosa, Nobel de literatura, anunciou aos seus muitos leitores no mundo que “Dedico a você o meu silêncio’, é seu último livro de ficção. Já traduzido no Brasil.

SERTÃO – Neste sábado, em Currais Novos, tem a jornada cultural, com o lançamento de livros e uma conversa sobre o Sertão de Oswaldo Lamartine, o seridoense que estudou a civilização da seca.

FLORADA – Da solidão tristíssima dos morros, como no verso de Ferreira Itajubá, agora saltam as floradas amarelas e lilases dos ipês e craibeiras e o roxo das sucupiras em flor. É o verão primaveril.

AMOR – Do poeta Lêdo Ivo, fragmento do seu ‘Soneto Puro’, rogando ao amor que resista a tudo para que sempre possa renascer: “Seja o amor como o tempo – não se gaste; / e, se gasto, renasça…”.

ÓDIO – De Nino, o filósofo melancólico do Beco da Lama, depois da sua terceira e última dose de todas as tardes no beco: “Nada é mais inofensivo do que aquele ódio que, por abandono, se perdeu”.

CAMARIM

FESTÃO – O prefeito Álvaro Dias quer promover um grande réveillon para durar pelos menos cinco dias, de 27 a 31 de dezembro. A sua ideia é realizar as atividades em Ponta Negra para inaugurar a engorda e em torno do novo mercado da Redinha. Com vários shows, eventos esportivos e culturais.

FLIPIPA – Dia 13, em Natal, o casal – marido e mulher – de dois dos maiores jornalistas-escritores do país: Lira Neto e Adriana Negreiros. Ele acaba de lançar a biografia de Oswald de Andrade, ‘Mau Selvagem’. Ela é autora do maior estudo sobre a mulher no cangaço e vai biografar Dercy Gonçalves.

RETRATO – Quem duvidar da habilidade política de Gilberto Kassab, o homem do PSD, basta fazer a leitura da matéria de nove páginas da revista Piauí, edição de novembro – “O homem da Planilha”, de Luigi Mazza. É um retrato de sua perspicácia e do poder político que deverá demonstrar em 2026.

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