“Parentes” – Tribuna do Norte
Vicente Serejo
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Chamaram a gente aqui, primeiro para conhecer uns aos outros e, depois, para falar uns dos outros.E logo de saída, é bom que se diga: ninguém se atreve a apartar um Mariz de um Faria – farinhas que são do mesmo saco. Entranhados. Como no verso: “Bote no chão que eu amarro, derrube que eu faço esteira”. Apenas o Mariz, costuma ser branquelo – marinheiro, no dizer sertanejo.
Antes do rádio e da tevê – no tempo em que ainda se conversava – nus poucos, mais lidos, falavam de amarelados papéis, onde um tal de João de Faria fez rastro – isso há coisa de mais de 800 anos – ainda no reinado de Dom Afonso Henri. Já nos papéis do casório da bela Ignez com Dom Pedro, o Cru, em 1360 assina um Garcia Martins de Faria. Porém, a figura maior, a que faz a gente estufar o peito, é a do alcaide Nuno Gonçalves de Faria que, em 1373, se deixou matar para não entregar a chave do seu castelo aos espanhóis.
Da banda de cá do mar, em dias de anteontem, temos os comandantes superior da Guarda Nacional, Antônio Álvares Mariz e Manoel Monteiro Mariz. E mais para perto do tempo, Juvenal Lamartine, Dinarte Mariz e, viva e militando, a nossa prefeita Wilma. Todos morubixabas da taba dos Cabeludos… Tribo dos Faria, que fez de Serra Negra, a cidade orgulho de todos nós.
Os Mariz – Faria tem biótipo marcante. Somos a mais das vezes lazarinos, isto é, mais para Quixote que para Sancho. Cabelos ralos e lisos. Pele, feia. Fala nasalada – uns até gagos e outros, como eu, tardos e gagos mentais. E, qualquer cristão com esses traços é, desgraçadamente, feio. O que nos salva é a generosidade das mulheres. Determinadas, leais e femininas. E tamanha é a grandeza delas que, houve uma, estoica e heroica, que se arranchou numa serra, em busca da saúde do seu homem. (Mas já não se faz mais mulheres como aquela…).
Quando ao “espírito”, somos mansos, desassombrados, de pouca fala, extremamente tímidos, distraídos e lesos. Sobrevivemos a essa carga de mazelas, graças a certa curiosidade intelectual que tem nos colocado no terço superior nos concursos e também na vida profissional.
Conservamos ainda, entranhado em cada um de nós, o sagrado sentido de família e o apego ao chão da terra – herança do avô dalém-mar, Nuno Gonçalves de Faria.
Bem, não esqueci, mas isso é confissão para se dizer em cochicho:
- A nossa perdição maior é baralho e rabo de saia…
E que Deus se apiede de nós…”.
Fazenda Acauã, Riachuelo-RN, 18 de março de 2000”.
Palco
ORIGEM – O texto transcrito hoje, no lugar da crônica, foi escrito por Oswaldo Lamartine na Fazenda Acauã, chamado a falar sobre as origens da família Faria. É um retrato fiel do seu estilo.
ESTILO – Avesso a adjetivos e ao cabotinismo, como dizia, aceitou, mesmo contra discursos. Escreveu do seu jeito, leu diante da surpresa de uns, o espanto de outros, e o bom humor de todos.
QUINZE – Bem humorado, dizia que o 15 de novembro era uma data com graves equívocos: um histórico, a Proclamação da República; o outro, seu nascimento, como “um sobejo da seca de 19”.
HERANÇA – Exigente na formulação dos seus ensaios, não deixou livro inacabado. Seu legado é o sertão, originalmente publicado um a um e, depois, reunidos em cinco volumes, edição UFRN.
DETALHE – O quinto tomo reuniu a maior e mais completa entrevista, em ‘Alpendres D’Acauã’, com as falas na cerimônia de entrega do título de Doutor Honoris Causa da UFRN, em 16.11.2005.
DATA – Este 15 de novembro de 2024 marca os 105 anos do seu nascimento, em Natal. Aquele que olhou o sertão com olhos amorosos para ensinar esse amor às novas gerações. Viva Oswaldo!
SERTÃO – Reconhecia ter aprendido a olhar o sertão com Câmara Cascudo e sintetiza a gratidão no seu estilo simples reconhecendo com sua escola do sertão: “Espiava, espiava, pisava e não via”.
POESIA – Era um lírico contido, guardando a saudade da infância “O meu Natal ainda é o Natal do menino boquiaberto, olhos arregalados para os céus, catando entre as nuvens o vultado Jahu”.
Camarim
VALOR – De Raquel de Queiroz, sua amiga, a quem visitava nas noites das quartas-feiras e foi consultou sobre as coisas do sertão, quando ela escrevia o romance ‘Memorial de Maria Moura’: “Acho que só de cem em cem anos pode nascer algum brasileiro como Oswaldo Lamartine”.
RETRATO – Stella Leonardos, um retrato: “O que primeiro me impressionou em Oswaldo Lamartine de Faria foi o antropólogo. Depois, o escritor. Depois, os dois juntos. Difícil separá-los, perfeitos que são”. E ainda: “Escritor de personalidade ímpar no coração dos que o conhecem”.
TESTAMENTO – “Outros fazem adjuntos de patacões de ouro, água de cheiro e até de mulheres. Nós arrebanhamos palavras da boca dos vaqueiros… E não havendo pelas ribeiras de cimento armado da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro onde as campear, tivemos de farejar, rastejar e caçar cada uma delas, perdidas na memória audível do Sertão de Nunca Mais, no falar alheio e nos papéis dos outros”.
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