Visagens – Tribuna do Norte

Visagens – Tribuna do Norte
Publicado em 30/11/2024 às 14:38

Vicente Serejo
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Acordo cedo, Senhor Redator. Muito cedo. E se fosse preciso justificar, ou como se fosse, nasceu da luta pela sobrevivência. Naqueles anos de muito trabalho, tinha a tarefa de levar as minhas meninas para a escola, e antes das oito da manhã por os pés na redação do Diário. O pauteiro, como era chamado o chefe de reportagem, tinha o dever de chegar antes de todos para a leitura dos jornais e pautar três assuntos para cada repórter. O único tempo de leitura só era possÌvel antes do sol raiar.

Fiquei imprestável para as noitadas. Nasci apaixonado pelas tardes, mas impedido de vivê-las sem obrigações. Inconformado, feito um bilaquiano, como disse o poeta Jarbas Martins – por herança do gosto parnasiano que herdei do meu pai e os sonetos que sabia dizer de cor – escrevi uma crônica reclamando da minha pobreza. Lembro que, uma vez, resmunguei meu desespero, e avisei aos meus leitores, como numa promessa, se as promessas salvam da tristeza: um dia roubo a tarde do padrão.

A luta foi muito longa. Quando pedi a aposentadoria já estava com 45 anos e quatro meses de carteira assinada. Mas, mesmo assim, um dia voltei pra casa livre e conformado de não realizar o sonho de ser um vencedor. Hoje, graças a Deus, vendo a velhice apontar na esquina, poucas vezes saio de casa. O ofício, feliz, é esperar a tarde quando vai se derramando, mansa e lentamente, sobre os morros, sem nunca ter assinado um papel timbrado com medo de tomar gosto por cargos públicos.

Algumas manhãs, muito cedo, feliz de não ter jeito, e bem ao contrário do verso triste do poeta Manuel Bandeira, fecho o livro ou largo este teclado, passo um café forte, acendo um charuto e fico esperando o dia chegar sangrando a escuridão. E fico ali, amparado pelo guardacorpo da varanda e vendo a ruazinha acordar com seus personagens. Uns, passam cedinho para o trabalho, no passo lento e já cansado; os atléticos, na sua pisada firme; um rumorejo de conversa, um ou outro automóvel…

Nessas manhãs, confesso, tenho inveja da humildade dos homens e mulheres no passeio com seus cachorros. Com uma mão, eles seguram a guia presa na coleira e, a outra, envolvida em sacos plásticos. De vez em quando, o cão para, faz cocô com um visível prazer, e eles, seus donos, apanham o cocô com a mão protegida. E vão assim. Daqui, entre uma baforada e outra, como para incensar a beleza da manhã que nasce, vem aquela inveja danada dessa humildade que o destinou negou a tantos.

Outro dia, segui com os olhos a elegância de uma mulher jovem, de preto, com essas roupas justas como uma segunda pele. Os cabelos ainda cheios de sono, e um casaco caído nos ombros, com as mangas cruzadas sobre o peito, como a protegê-la da manhã friorenta e deserta.

Mas, ainda havia – pra que negar? – um certo charme naquele casaco jogado de um jeito displicente. Como parecia natural o seu andar sensual, passo a passo, e que a fazia flutuar, sozinha, sobre as pedras frias da rua…

PALCO

ABSURDO – Pelo segundo ano consecutivo a Prefeitura de Natal não abriu espaço para os sebistas de Natal na feira em torno da Árvore de Natal de Mirassol. Como acontecia nos seus anos passados.

ESTRANHO – Esse veto acontece numa gestão que tem no gabinete do Palácio Felipe Camarão um prefeito aberto ao diálogo e membro da Academia Norte-Rio-Grande de Letras. Quem pode acreditar?

LUXO – Há pelo menos um natalense – prefere não divulgar seu nome – entre aqueles que adquiriram o charuto feito para os grandes charuteiros chineses. Valor da caixa com dez exemplares: R$ 9.150.00.

SERPENTE – O charuto homenageia “O Ano da Serpente”, no calendário chinês, e é considerado uma emissão de alta qualidade e não será repetida. Natal já mostra que é hoje uma cidade do mundo.

ENSAIOS – A Universidade Estadual de São Paulo, Unesp, lança “A Vingança do Bom Selvagem”, do filósofo francês Gérard Lebrun que viveu e ensinou na Universidade de São Paulo (1930-1999).

TIRO – Da colunista e escritora Tati Bernardi, autora de “Depois a louca sou eu”, numa sua crônica sobre frases ruins, e espantando a poeira da mesmice: “A raiva é a minha proteção contra a tristeza”.

POESIA – … assim, simples e belo, que o grande e esquecido Gérard de Nerval (1808-1855), começa o romance Aurélia, ele que tirou a própria vida naquela velha Paris: “O sonho é uma segunda vida”.

FARDO – De Nino, o filósofo melancólico do Beco da Lama, olhando a noite quando os personagens do beco viram fantasmas: “A gratidão pesa como um fardo. … por isso que os ingratos não suportam”.

CAMARIM

LUTA – A secretária de cultura da Prefeitura de Natal, Danielle Mafra, espera reabrir o Museu da Cultura Popular de Natal até final do ano, depois de seis anos fechado. Mas, nunca se soube o quanto custou, ao longo de cada ano, a despesa com os rebolados, sob o brilho intelectual de Wesley Safadão.

RAZÕES – O jornalismo parece escrever a paráfrase perfeita da frase famosa de Blaise Pascal, ao advertir que o coração tem razões que a própria razão desconhece. As investigações que denunciam a podridão do golpismo são as mesmas que fizeram a resistência digna do Exército e da Aeronáutica.

RAÍZES – O desgaste da gestão da governadora Fátima Bezerra vem na sua maior parte das áreas da saúde e educação, ela que foi a maior líder dos professores do ensino público estadual. Mas, contribui, pela natural visão crítica da classe, a sua desastrosa gestão cultural, sob o silêncio das instituições.