Política
A conspiração do silêncio – Tribuna do Norte

Vicente Serejo
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Foi de Luiz Maria Alves que ouvi, pela primeira vez, a frase que saiu de sua boca e caiu nos ouvidos como algo muito perigoso: a pior conspiração é a do silêncio. Algum tempo depois, repeti para Inácio Magalhães de Sena, grande cinéfilo. Não teve dúvidas e disse que foi, no Brasil, o título de um filme. E informou o diretor e o elenco. Agora, foi preciso ir ao Google para vencer o deserto que avança nos vastos e gastos campos da memória, deixando, para sempre, seus vazios.
Importa pouco para a crônica, a essa altura, mas é bom informar: é um filme de 1954, direção de John Sturges. No elenco, Spencer Tracy, Isaac Bardavid e Robert Ryan. Uma história que se passa em 1945, depois da guerra. Como no filme, até onde consigo recuperar o tom trágico de Alves, a conspiração do silêncio nunca se faz para o bem. Esconde, sempre, nos subterrâneos, algo de interesse pessoal, quando não é muito pior: o agrado para nutrir os benefícios do mando.
A palavra, para Alves, era uma arma que apontava com raro prazer quando percebia que seu interlocutor era precário. Algumas vezes, dizia, e se estava diante da estupidez insolente, que não poupava e taxava de jejuno. Mas, faça-se justiça: seu prazer não estava em enfrentar os simples, mas em desnudar o pedantismo da falsa cultura. Autodidata, o requinte que lhe restou era ser livre do canudo dos bacharéis. Formado em jornalismo, então, nem pensar. Levava numa clara ironia.
Descobri com o tempo e os atritos o desafio que é viver. Alves tinha razão. Vi a conspiração do silêncio por onde andei como repórter e, ao longo de mais de cinquenta anos, não andei tão pouco. De todos os viveiros, do poder político ao econômico, em nenhum deles a conspiração do silêncio é invencível e atuante como no jogo silencioso das instituições fechadas e corporativistas, inclusive as culturais. Nas suas poltronas, bem dissimuladas, também sentam a vaidade e a lisonja.
O elogio é o néctar mais irresistível para as papilas gustativas da condição humana. Deve ter sido por isso a grande boutade de Câmara Cascudo quando recebia doces elogios, ao mesmo tempo vacinando-se contra a vaidade inoculada: “É mentira, mas é gostoso”. Aliás, a expressão ‘conspiração do silêncio’, já está no artigo ‘O Século do Medo’ que Albert Camus pulicou no ‘Le Combat’, em 1948, jornal que fundou para resistir à ocupação dos nazistas na II Guerra Mundial.
Mais: aos que se acham poderosos e protegidos do flagrante, é bom saber que essa teoria nasceu de ensaios de Pierre Bourdieu que, no Brasil, foram reunidos por Sérgio Miceli, em 2020, numa edição da Perspectiva, SP. Bourdieu mostrou não só aos franceses, mas ao mundo culto dos doutores, que a sociedade é o que os teóricos chamam de campo de atuação no qual se digladiam e se chocam as relações de força. E de tal forma que nem sempre a sociedade consegue perceber…
PALCO
CASCUDO – A Academia Norte-Rio-Grandense de Letras inaugura hoje, às 17h, nos seus jardins internos, a escultura de Câmara Cascudo, uma obra dos artistas Fábio de Ojuara e Emanuel Júnior.
INIMIGO – Jean Paul Prates, ex-senador, na revista Veja: “Maior inimigo do governo é o próprio governo. A oposição não atrapalha, está ocupada com as pautas da bolha deles, como a anistia”.
LIBERDADE – Brasil tem bom desempenho no ranking internacional de liberdade de imprensa. E cresceu ao enfrentar o golpismo dos que tentaram abocanhar o estado democrático de Direito.
ALINHAR – Li e reli o release sobre o “alinhamento estratégico do governo”. Não entendi, mas fica a torcida. E que as linhas e a estratégia se encontrem. Os extremos, como se sabe, são estéreis.
TACADA – Do professor Fernando Schüller, Veja, sobre o gesto mesquinho de Donald Trump ao ameaçar a Universidade de Harvard: “Problema: governos duram quatro anos, Harvard tem 400”.
AUSÊNCIA – O RN não está entre os cem poetas reunidos pelo crítico Fernando Paixão na sua Antologia do Poema em Prosa, edição Ateliê, SP. A bela prosa poética que vem desde Baudelaire.
POESIA – Bertolt Brecht em ‘Romper do dia’, versos duros como pedra: “Não em vão / o romper de cada novo dia / é introduzido pelo cantar do galo / anunciando desde sempre / uma traição…”.
SOCO – De Nino, o filósofo melancólico do Beco da Lama, lembrando um aforismo de Karl Kraus, como um soco: “Por que muitos escrevem? Porque não têm caráter suficiente para não escrever”.
CAMARIM
PERDA – Faleceu, aos 91 anos, Clovis Cavalcanti Lamartine (1934-2025), último contemporâneo vivo no assassinato, pela polícia de Mário Câmara, de Octávio Lamartine, filho do governador Juvenal Lamartine. No alpendre da Fazenda Ingá, Acari, ocorrido no dia 13 de fevereiro de 1935.
BRILHO – Nísia Floresta ganha um dos mais importantes ensaios, se não for o mais consagrador, sobre o seu papel como defensora, no mundo culto da Europa, da educação como força libertadora da mulher: ‘Viajantes de Saias’, de Ludmila de Souza Maia. Na belíssima edição da Cosac, 2025.
DIÁLOGO – Em suas quase quatrocentas páginas, Ludmila olha com erudição o papel, inclusive filosófico, da francesa Adèle Toussaint-Sason no Brasil; e de Nísia Floresta na Europa, a partir da França. No seu belo e limpo projeto editorial, Nísia ilustra a capa sobre um vasto campo vermelho.
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