Política
Do coração – Tribuna do Norte

Vicente Serejo
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Na segunda, antes de ontem, entreguei ao doutor Itamar Ribeiro de Oliveira minhas artérias no Hospital Rio Grande, recomendado que fui por Paulo Davim, meu cardiologista há muitos e muitos anos. Sabia, mesmo leigo, e ele um grande médico dos riscos inevitáveis na chegada dos seus olhos às portas do coração, mas não temi que encontrasse segredos. É do cérebro, e só dele, a arte de usinar os mistérios do amor e do ódio, da solidariedade e do abandono, do desprezo frio e da paixão ardente.
Fui menino ouvindo a minha mãe contar que na dúvida ouvia seu pai, meu avô, Alberto Mattos Serejo. E dele vinha a mesma pergunta que valia como a resposta: perfeita “O que o seu coração está pedindo?”. No meu caso, devo dizer, pediu um stent. Os exames mostraram uma placa nos caminhos arteriais. O grande poeta Carlos Drummond de Andrade descobriu, com suas retinas tão fatigadas, que havia uma pedra no meio do caminho. No meu caso, uma placa feita de velhas calcificações.
Venho daqueles últimos instantes de um romantismo que logo depois se acabaria por inanição. Mas, há séculos anda pelo mundo a frase de Blaise Pascal – “O coração tem razões que a própria razão desconhece”. Só depois, cairiam nos ouvidos os versos do soneto ‘Vandalismo’, de Augusto dos Anjos: “Meu coração tem catedrais imensas”. Mais tarde, ouvi o samba de Noel, estudante de medicina, a avisar: “Coração / grande órgão propulsor / transformador do sangue venoso em arterial”.
Lembro da frase que Dom Nivaldo Monte sempre repetia nos seus sermões, quando queria condenar a guerra. Suave em tudo, até quando repudiava um pecado feio, observava, com o rosto descontraído, livre de qualquer amargor: “O homem é essencialmente bélico, mas seu o coração foi feito para amar”. Hoje, o mundo é feito de conflitos no novo modelo de Guerra Mundial – as grandes potências financiando diretamente os conflitos, levando às suas gentes, fome, degradação e morte.
O tempo era outro. Menos sabido, mas em compensação mais manso. Não se tinha essa tanta ciência de hoje. Para se saber da saúde, bastavam um hemograma completo e os sumários de fezes e urina. O corpo não sabia, e, talvez por isso, não temia tantos perigos, como hoje. A morte, mesmo quando não era natural, vinha como boa guardiã da honra. Tinha destinos heróicos. Lavava a honra, apascentava o furor dos ciúmes, e arrancava do rosto dos homens a triste nódoa da desmoralização.
Agora, não. A ciência avisa que a morte virá. Os exames são olhos profundos que chegam a todo lugar. A doença não se esconde mais, o que é bom para descobri-la e enfrentá-la com os olhos das máquinas. Li a constatação de um moderno filósofo francês que estuda a noite. Ele chegou a uma conclusão impressionante. A tecnologia iluminou a última noite: a do cérebro. A luz fria que o homem inventou invadiu aquela noite que durante séculos viveu o grande mistério da escuridão inviolável…
PALCO
REFLEXO – Os silêncios do governo e da oposição revelam que não interessa aos dois poderes quem deve a quem e quanto. Mas as dívidas existem e já alcançariam hoje a umas boas dezenas de milhões.
GRAVE – Os repasses do Executivo e do Legislativo são feitos de vez em quando, mas sempre muito abaixo dos débitos. E se governo pagar de uma só vez corre o risco de atrasar a folha dos servidores.
ENIGMA – Fonte da coluna, diante da chapa que reúne Rogério Marinho para o governo e os nomes de Styvenson Valentim e Álvaro Dias ao Senado, foi enigmático: ‘Todas as cartas não estão na mesa”.
SANTO – Alcança as raias do desrespeito o silêncio do governo na liberação da emenda impositiva que o deputado José Dias aprovou para as obras de restauração da Praça Padre João Maria. Absurdo.
ALIÁS – A ação cultural estadual, com exceção da gestão da Pinacoteca do Estado, figura hoje entre os grandes fracassos do governo Fátima Bezerra. O que destroça uma forte tradição do próprio PT.
FORÇA – Malcolm X volta aos leitores brasileiros com força: a editora UBU acaba de lançar “Custe o que Custar’, e sua luta em favor da libertação é o dossiê de capa da revista ‘Pernambuco’, de junho.
POESIA – De Bertolt Brecht no poema sobre a desgraça da fúria alemã devorando a pureza da carne e da alma dos que ainda iriam nascer: “Os casais / deitam-se nos leitos. As mulheres / parirão órfãos”.
FESTA – De Nino, o filósofo melancólico do Beco da Lama, no seu parnasianismo decadente e caído de moda há anos, mas que teima de vez em quando em voltar: “A fome do desejo não passa nunca”.
CAMARIM
MATRIZ – O Carnatal é a maior e mais competente sacada no campo dos eventos turísticos nas últimas décadas em Natal. Mas, a força do seu sucesso acabou por moldar as duas outras grandes festas coletivas, o Carnaval e o São João. E pasteurizou as três tradições culturalmente diferenciadas.
MODELOS – Hoje, o Carnatal e o Carnaval são absolutamente iguais, com as mesmas canções, os mesmos ritmos, os mesmos cantores e para os mesmos rebolados. O Carnatal como festa com acesso privado e o Carnaval, mantido com recursos públicos, aberto ao público em todas as áreas da cidade.
CARNAJOÃO – Agora foi a vez do São João sob o mesmo modelo, daí o Carnajoão já está nas ruas com os mesmos shows. A terra de Câmara Cascudo é boa no incentivo aos negócios, mas não tem política de valorização das tradições. Os últimos grupos folclóricos agonizam e muitos já morreram.
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