Política
Canetas emagrecedoras têm efeito semelhante à bariátrica

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Cruzar a barreira dos dois dígitos do emagrecimento — a perda de ao menos 10% do peso corporal — gera benefícios para a saúde já atestados, da proteção cardiovascular à redução de risco de doenças crônicas, e ganhou impulso com a chegada das novas medicações contra a obesidade, em especial as canetas emagrecedoras. Logo, veio a dúvida: “E se subirmos a meta?”.
Fórmulas utilizadas nas canetas emagrecedoras são complexas e difíceis de serem replicadas – (crédito: Freepik)
Estudo que vai ser apresentado hoje no congresso científico da Associação Americana de Diabetes (ADA, sigla em inglês), em Chicago (EUA), traz respostas promissoras. Ao triplicar a dosagem da semaglutida, um dos princípios ativos mais comuns desses dispositivos, é possível obter resultados similares aos das cirurgias bariátricas, perda de mais de 20% do peso, sem alterações nos efeitos colaterais da quantidade já prescrita.
A pesquisa conduzida pela Novo Nordisk, fabricante do Wegovy, contou com 1.407 adultos, classificados como obesos (IMC igual ou superior a 30) e sem diabetes. Todos tinham histórico de ao menos um episódio malsucedido de emagrecimento por meio de dieta e foram orientados a melhorar os hábitos (alimentares e prática de atividades físicas) ao longo das 72 semanas de intervenção.
Ao final, a dose aumentada (7,2mg) proporcionou perda média de peso de 21%, sendo que, para um terço dos voluntários, a taxa chegou a ao menos 25% . Entre os que receberam 2,4mg de semaglutida e o grupo placebo (apenas mudanças de hábitos), o índice médio foi, respectivamente, de 17% e 2%. “Ao ultrapassar os 20% de perda de peso, estamos falando de resultados que se aproximam aos de cirurgia bariátrica, estamos falando de um novo patamar no tratamento medicamentoso da obesidade”, afirma Julia Cabral, médica endocrinologista e gerente médica da Novo Nordisk.
Autor principal do estudo e diretor médico da Wharton Medical Clinic, no Canadá, Sean Wharton avalia que os resultados consolidam os avanços obtidos com o uso da semaglutida. “Já sabemos que ela traz benefícios à saúde de pessoas com doenças cardiovasculares, hepáticas, osteoartrite de joelho, pré-diabetes e diabetes tipo 2. Esses achados ampliam as possibilidades de tratamento para pessoas com obesidade, tanto na perda de peso quanto na melhora da saúde geral.”
Tolerância
Na avaliação de Bruno Geloneze, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e pesquisador principal do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC) da instituição paulista, além da perda superior a 20%, chama a atenção no estudo a tolerabilidade à dose triplicada. “Embora todo mundo goste do quanto emagreceu, o que eu mais gostei foi saber o quanto tolerou. Eu estou inferindo que os efeitos colaterais vão até um certo limite e, depois, o organismo vai, mais ou menos, se adaptando àquilo.”
Os eventos adversos mais comuns foram gastrointestinais, como náuseas e desconforto abdominal, sendo a grande maioria de intensidade leve a moderada, diminuindo ao longo das semanas. Abandonaram o estudo em razão dessas complicações 3,3% dos que receberam a dose aumentada e 2%, a dose de 2,4mg, taxa considerada baixa. A segurança e a tolerabilidade atestados no estudo também reforçam o entendimento de que a substância pode ser usada a longo prazo, avalia Geloneze.
Mesmo com os resultados cada vez mais positivos, o uso dessas medicações não pode ser encarado como uma solução isolada nem imediata contra a obesidade, pontua a endocrinologista Wanessa Stival. A médica da clínica Hewa acompanha pacientes que usam a semaglutida por tempo determinado, de forma contínua e uso intermitente, conforme especificidades clínicas e outras questões analisadas em conjunto, incluindo as financeiras. “Esse entendimento mais realista e individualizado do tratamento é fundamental para evitar frustrações e alinhar expectativas”, explica.
Além da estética
Segundo a endocrinologista Michele Borba, da clínica Delaborba, em um tratamento de obesidade, os médicos não avaliam apenas se o paciente chegou a um peso ideal. Entre as metas “mais realistas” adotadas, estão a chamada obesidade controlada, quando a perda de peso é de 15% ou mais e a pessoa consegue manter sob controle a pressão arterial, o açúcar no sangue e outras condições, mesmo sem emagrecer completamente. “No estudo com a nova dosagem de Wegovy, 70,4% se encaixaram nessa definição”, complementa.
A especialista reforça que o enfrentamento à obesidade não é só um dilema estético, já que o excesso de peso aumenta risco de doenças como diabetes tipo 2, pressão alta, gordura no fígado e problemas nas articulações. Calcula-se, por exemplo, que dois terços das mortes relacionadas ao excesso de peso são decorrentes de causas cardiovasculares. “Esses dados chegam em um momento importante, em que a obesidade já afeta mais de um em cada cinco adultos no Brasil. Trazem uma nova esperança para quem enfrenta dificuldades com o excesso de peso e busca uma opção eficaz e segura”, diz.
A médica endocrinologista Julia Cabral lembra que as diretrizes de prática clínica preconizam o tratamento da obesidade a longo prazo e ressaltam não apenas a perda de peso, mas os benefícios do tratamento para a saúde dos pacientes como um todo. “Precisamos pensar no tratamento da obesidade como algo que vai além da balança, e que alcance uma melhora na saúde global dos pacientes, aumentando os anos vividos com qualidade de vida.”
A dosagem triplicada da semaglutida ainda precisa ser aprovada pelos órgãos regulatórios para ser usada no Brasil. Não há previsão. A Novo Nordisk prevê solicitar a atualização da nova aplicação na União Europeia no segundo semestre deste ano, com submissões regulatórias posteriores nos demais mercados onde o Wegovy já está aprovado.