O exílio – Tribuna do Norte

Cláudio Emerenciano
Professor da UFRN
Victor Hugo, em “Os miseráveis”, disse que o exílio engrandece a condição humana. Os sofrimentos, a solidão e a saudade dão substância à tristeza sem fim. Mas retemperam sentimentos e convicções. Sócrates, ao escolher a morte ante outra alternativa, a de viver banido de sua cidade, em “O Banquete” de Platão, ensinou que a vida, longe da pátria, seria inglória. Mas Goethe e Thomas Mann exaltaram a germanidade, ainda quando o cidadão, pelo exílio, fosse privado da pátria comum. Tancredo Neves, misto de político e pensador, em elogio fúnebre a Juscelino Kubitschek, numa das mais notáveis peças oratórias e literárias da vida parlamentar brasileira, considerou o exílio um dos seus momentos de maior elevação espiritual e de consagração de sua grandeza humana: “O exílio é o preço que os grandes homens pagam para conseguir um lugar no coração da História. Eles são supliciados, antes de serem glorificados… O exílio era o toque que faltava para compor a imagem histórica de Juscelino Kubitschek de Oliveira, a moldura de ouro de sua radiosa personalidade, o píncaro resplandecente de sua empolgante trajetória”. Mas há uma espécie de exílio em que gerações, subitamente, são deserdadas, em seu próprio país, pelo desmoronamento de valores culturais, morais, éticos e espirituais, de crenças e esperanças. Eis quando a alma nacional se debilita.
Essa é uma das características da crise brasileira. O exílio imposto aos que professam princípios, ideais, convenções, critérios e percepções em vertiginosa e crescente supressão. Ninguém é dono da verdade. Ninguém pode impor sua concepção de vida aos demais. A democracia se alicerça nessa convivência dos contrários. Jamais numa superposição autoritária da visão de uns sobre outros. No inicio do século XX, a França, configurada por Roger Martin du Gard em “Os Thibault”, viveu crise em que a classe média se alienou. Era indiferente aos problemas humanos e sociais. Duas obras geniais, essa e “Em busca do tempo perdido”, de Marcel Proust, delineiam essa fase de perplexidade e de erosão moral. Há os que reagem ante o previsível. Ressaltou André Maurois em “Terra da Promissão” e “O instinto da felicidade”.
O caso brasileiro parece ser singular. Apesar da crise universal. A crise nos lança no atoleiro da mediocridade, da estupidez, da incompetência, da farsa e da mentira. Essa foi, certamente, a herança mais nefasta do regime autoritário ao garrotear o processo natural de ascensão de novas e verdadeiras lideranças políticas, comprometidas com valores imutáveis da nacionalidade: espírito público, retidão, coerência, conciliação, destemor e dignidade. Considerava-se, então, a solidariedade, postura idiota e inconseqüente. Adveio o consumismo, que alterou valores de nossa formação cultural. Também a descrença numa eficácia, plena e impessoal, da lei. Sem privilégios. Eis a fonte original da crise de legitimidade das instituições. Não basta o voto para respaldar a ação política. Ele é fonte básica e essencial. Mas a identidade com a vontade nacional, permanentemente, é desdobramento inevitável. Imprescindível à geração progressiva e sem fim de uma cultura democrática: imperativo histórico, anteviu Leslie Lipson em “A civilização democrática”.
Ainda não se fez uma avaliação cultural e antropológica das seqüelas do autoritarismo. Sem revanchismos nem preconceitos. A crítica não é fim em si mesmo. O que está em causa é a preservação, ou não, de uma concepção de vida legitimamente brasileira. Em todos os aspectos. Especialmente no campo da cultura, da política, da moral, da justiça, da paz social e do bem-estar.
Há um imobilismo, que fermenta mediocridade. Alimenta desânimo entre tantos que esperaram a retomada de caminhos civilizados. Trunca-se o dinamismo social. E assim, pouco a pouco, a opinião pública revela uma divisão sutil entre os que se sentem exilados, e os que, resignadamente, são indiferentes a essas perspectivas. Nada muda. É a crise em curso…
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