Somos cordiais? – Tribuna do Norte

Somos cordiais? – Tribuna do Norte
Publicado em 16/08/2024 às 0:08

Vicente Serejo
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Nunca acredite que você é querido só por ser tratado assim, e se a própria expressão baila, por seu uso social, entre substantivos e adjetivos. Pode ser mera convenção, sem juízo de valor, ou traço de afeição, ou ainda uma suave manifestação de falso bem-querer. Outras vezes, se ganha a tintura da praxe, é o biombo a esconder, lá do outro lado do pano, uma daquelas formalidades que a vida em sociedade sabe engendrar e usar com a sempre e inegável doçura das coisas afáveis.

Ora, se lutar com as palavras é a luta mais vã, para uma vez mais lembrar o poeta Carlos Drummond de Andrade, será sempre muito difícil dominá-las. A palavra é camaleônica. Se veste e desveste dos sentidos que o uso exigir. Ou, como dizem alguns teóricos das linguagens, é mesmo da palavra a qualidade intrínseca de um mimetismo que a torna capaz de adquirir todas as cores das contextualizações e descontextualizações, se não há nas expressões uma rigidez de significado.

Quem precisa da palavra, e a tem como um ganha-pão, sabe das suas artimanhas, mesmo que não domine suas mutações. Os gramáticos ditam suas regras, mas foram deles, os filólogos, os olhos que enxergaram a polissemia para que sempre vai muito além dos sons e vozes. Chegam aos textos e neles revelam-se a grande variedade de significados. O ‘formidável’, segundo o Aurélio, já foi perigoso e terrificante, hoje é o que desperta “respeito, admiração e entusiasmo”.

Talvez, num ajuntado de pequenas informações que sempre ficam como um pobre legado aos pequenos anotadores curiosos, sabe-se que cordial vem de cordis, do próprio coração. Das coisas embaladas pelas afeições. Foi com Sérgio Buarque de Holanda, aquele que ergueu, como um conceito identificador, a cordialidade do brasileiro, que se descobriu a verdade: nós sabemos escamotear o vício da dominação que vem desde o velho patrimonialismo, colonial e avassalador.

Aliás, Sérgio Buarque vai muito além, quando lança, em 1936, seu grande ensaio ‘Raízes do Brasil’, depois dos seus estudos na Alemanha. Quem conhece os fatos históricos dos soldados brasileiros na Guerra do Paraguai, verá que eles praticaram um verdadeiro genocídio. A polícia de Getúlio Vargas espalhou atrocidades sem limites e o governo militar, com o Golpe de 64, legou à história política do Brasil o período mais tenebroso, feito da dura e deplorável degradação humana.

Para ser sincero, não mudamos muito. Evoluímos nas ruas e não nos palácios. Nas ruas reconquistamos a democracia, lutamos pela Constituinte e reinstituímos o estado democrático de direito. Mas, é bom ficar de olho na cordialidade do brasileiro. Se temos corações e mentes, e neles estão os traços desse homem cordial, é bom não perder de vista aquilo que Sérgio Buarque chama de “individualismo aristocrático”. Afinal, a sua suave dominação já dura mais de cinco séculos…

PALCO

DESIGUAL – A Câmara Municipal de Natal, estranhamente, representa muito mais os interesses do poder que os da sociedade que a elegeu e a quem deveria defender da perdas dos seus direitos.

EXEMPLO – O projeto que aprovou para a adoção de gestão privada no mercado da Redinha, por exemplo, concede 25 anos de outorga ao gestor privado e apenas quatro aos seus velhos locatários.

DETALHE – Por emenda de um vereador, a concessão de pequenos comerciantes passou a ser de quatro em quatro anos, mas com aumento também nos aluguéis. Tratamento é desigual e leonino.

VÍCIO – A convicção eloquente dos que hoje defendem o desejo do executivo é aquela mesma de quando esses mesmos defenderam gestões anteriores, hoje adversários ferrenhos de Álvaro Dias.

ALIÁS – O prefeito precisa tomar todo o cuidado para que o vencedor, aquele que vai ter o mando do mercado durante 25 anos, não tenha a cara de gato na tuba. Ele, Álvaro, pode pagar essa conta.

GRATIDÃO – Deste repórter, defensor intransigente da liberdade de expressão, para a jornalista Laurita Dias de Arruda Câmara e ao seu destemor: este velho professor, ainda comovido, agradece.

POESIA – Do poeta Murilo Mendes os versos iniciais da sua irônica e genial ‘Canção do Exílio’ do velho Brasil: “Minha terra tem macieiras da Califórnia / onde cantam gaturamos de Veneza”.

SERÁ? – De Nino, o filósofo melancólico do Beco da Lama, lúbrico e lascivo, nas divagações em torno da beleza que carrega nos olhos: “A beleza da mulher começa na perfeição da panturrilha”.

CAMARIM

ENGORDA – Hoje, início às nove da manhã, no Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura, a empresa responsável pelo projeto de engorda de Ponta Negra vai expor as razões que apontam as obras como de caráter emergencial ou se podem ser consideradas como a solução definitiva.

QUESTÃO – Os efeitos corrosivos no Morro do Careca e o avanço do mar demonstram uma inevitável emergência, mas a solução pode exigir novas intervenções ao longo da Via Costeira. Aliás como já vem acontecendo atualmente na engorda do Balneário de Camboriú, em S. Catarina.

PRESENÇA – A reunião vai contar com a presença do engenheiro João Abner, doutor na área de hidrologia. Abner concorda com o caráter emergencial da obra, mas deseja saber das garantias quanto às consequências nos próximos anos, com a grande retirada de material do fundo do mar.

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