Retalhos – Tribuna do Norte

Retalhos – Tribuna do Norte
Publicado em 16/08/2024 às 4:13

Dácio Galvão
Diretor da Fundação Cultural Helio Galvão

O romance “Helena” de Machado de Assis, é trama. Da primeira fase. Pés na segunda mais produtiva. Recortes burgueses expondo fraturas nas contradições de classes. Sem panfletagem. Religiosidade e conservadorismo estão presentes em ambiência abastada. Sai perdendo o mundo errático de pobres dominados. O escritor perfila personagens: Conselheiro Vale. Estácio. D.

Úrsula Padre Melchior. Helena e Dr. Camargo. Mendonça, Vicente e Eugênia. Se movimentando em chãos movediços. Nos vãos psicológicos. O ensaísta Roberto Schwarz declina: “Helena é um romance de passagem”. Sobressaindo “a diversidade estilística muito marcada.” Pairando na “prosa realista e maliciosa dos parágrafos iniciais, próxima da prosa da maturidade” machadiana.

De Quincas Borba, Dom Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas. Real e humorística. No xadrez narrativo Machado instiga desejos inconscientes. Afetividades sob manto religioso. Gerando impasses. Os bens materiais pretendidos por D. Úrsula, Eugênia e Camargo as aproximam. E as repelem na dialética da cobiça. Instando a espiritualidade cristã abdicadora de materialidades.

Helena, personagem central traduz a voz do coração. Eugênia evoca o ‘romance rosa’ de matiz alencarina. O acento bíblico conciliador aparece na retórica do Padre Melchior. Interagindo com o poder econômico da “família Vale”.

O ator desamparado não busca a ascensão social. Mas a conformação. Helena, garante seu futuro na sua adoção por família rica. Elegendo o dilema pessoal. O pai biológico é pobre. Em átimos oscilantes delibera a condição de miséria. Sem superar a problematização classista. Alerta Schwarz: ‘para realizar a norma de dignidade do paternalismo lhe parece que o melhor é correr dele’. Moral, lealdade, obediência paterna e cristandade são ingredientes da narrativa.

O axioma: herdar para respeitar o pai. Não herdar evitando ferir interesses de terceiros. Impasse. O enredo da relação entre Estácio e Helena se define no horizonte da impossibilidade. Para ele, sendo “irmãos” o incesto era zero. Helena sabia da ilegitimidade da irmandade. Mas não construía a saída. Obediente ao pai adotivo -Vale- tentava conciliar o desejo do pai carnal. Se definia no status quo. Sutil deixa sujeira embaixo do tapete. Sucumbindo aos valores sociais impostos.

Preconceituosos. Sem consanguinidade ama Estácio. Permitindo a atitude normatizadora lhe direcionar. Valendo mais o ‘sacrifício que o escândalo de uma revelação de paternidade’. Aponta o autor de “Ao Vencedor as Batatas”! Vence o jogo de aparências. Se destaca a atitude de Estácio: Helena é irmã-mulher idealizada. O realismo denunciador vai se refletir nas atitudes do Dr. Camargo. Articulador do casamento da sua filha Eugênia, com Estácio. Clássico triângulo amoroso. Dr. Camargo: ‘um ambicioso capaz de tudo’. Cultor da ‘ideologia descente e familiar’. Introjetando ambições. Ideia de incesto… Enredo tensionado na criação machadiana. É ler, o Bruxo do Cosme Velho!

Artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião da TRIBUNA DO NORTE, sendo de responsabilidade total do autor