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“O problema do governo não é a falta de persistência”, dizia nos anos 1940 o humorista Aparício Torelly, o Barão de Itararé. “É a persistência na falta”. O aforismo, que surgiu como uma crítica ao governo de Eurico Gaspar Dutra, serve agora, quase 80 anos depois, para pontuar as ações de política internacional do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É difícil encontrar entre as escolhas recentes do Itamaraty uma, apenas uma ação, que não seja manchada por algum equívoco de natureza ideológica. E mesmo aquelas que, no primeiro momento, parecem orientadas pelo pragmatismo que sempre marcou a diplomacia brasileira, logo expõem a nódoa das escolhas malfeitas.
Na sexta-feira passada, em entrevista à rádio Gaúcha, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acrescentou mais uma pérola ao extenso colar de impropriedades que tem cometido no campo internacional. O tema, claro, foi a Venezuela. Ao se referir ao país vizinho, Lula disse que “a Venezuela vive um regime muito desagradável. (…) É um governo com viés autoritário, mas não é uma ditadura como a gente conhece tantas ditaduras nesse mundo”. Bem… se a Venezuela não vive uma ditadura, esse conceito merece uma revisão profunda por parte da ciência política.
Palavras como essas incomodam, mas não surpreendem aos que acompanham o caminho do governo em matéria de política internacional. As maiores fontes de preocupação do mundo neste momento — pela insistência em criar confusão e pela mania de não assumir a responsabilidade pelos problemas que criam — são justamente as três ditaduras (ou, se preferir, “regimes desagradáveis”) que o governo trata como aliados preferenciais. Onde há bafafá, pode ter certeza: ou a Rússia, ou o Irã, ou a Venezuela ou os três juntos estão mergulhados até o pescoço. Isso pôde ser visto com clareza na semana passada, quando “los tres amigos” voltaram com destaque ao noticiário.
A diplomacia da cerveja
Não custa recordar algumas declarações feitas no passado para perceber o estrago que esse comportamento tem causado aos interesses do Brasil. Quando Lula voltou ao poder, em janeiro de 2023, fazia quase um ano que Vladimir Putin tinha açulado seus exércitos contra uma Ucrânia que, à primeira vista, seria presa fácil. A impressão era a de que a horda de cossacos do ditador não enfrentaria resistência em suja marcha sobre a capital Kiev. Não foi o que aconteceu.
O conflito chegou a um momento de impasse — sem que Putin manifestasse a intenção de recuar nem Zelensky mostrasse disposição para capitular. A diplomacia brasileira, então, passou a agir como se a responsabilidade pela guerra tivesse que ser compartilhada entre o agredido e o agressor. “Essa guerra, por tudo que eu compreendo, leio e escuto, seria resolvida aqui no Brasil numa mesa tomando cerveja. Se não na primeira, na segunda, se não, na terceira. Se não desse na terceira, ia até acabar as garrafas para um acordo de paz”, disse Lula diante de uma plateia de estudantes em uma de suas mais conhecidas manifestações sobre o conflito.
As palavras do presidente podem até ser tomadas como anedota. De mau gosto, mas, de qualquer forma, anedota. Mas as declarações de seu assessor para assuntos internacionais, Celso Amorim, devem ser levadas a sério pelo perigo que representam para a posição do Brasil no mundo. Desde que voltou a falar em nome da diplomacia brasileira e, na prática, a mandar no Itamaraty, Amorim não tem medido esforços para alinhar o Brasil com as ditaduras mais abjetas do mundo — e isso, é claro, gera uma conta que será cobrada do país mais adiante.
No caso do conflito na Ucrânia, as posições defendidas por Amorim não passam da tradução para o português daquilo que o ditador Putin diz sobre a guerra no idioma de Dostoiévski. Entre as declarações do assessor sobre o conflito, uma, em especial, chama a atenção. Segundo ele, usando palavras de Putin como se fossem suas, qualquer solução para a guerra deveria levar em conta o direito da Rússia se defender de agressões. Sem jamais mencionar, é claro, que as agressões tinham ordenadas justamente por Moscou.
Na mesma moeda
As posições de Amorim sobre a guerra iniciada pela Rússia contribuíam para empalidecer a imagem do Brasil diante das grandes democracias. Na medida em que as potências ocidentais se uniam em torno da Ucrânia, mais o Brasil se afastava de seus aliados tradicionais. Ou melhor, mais os aliados tradicionais viravam as costas e dificultavam os acordos que beneficiassem o Brasil.
A guerra prosseguiu, com um saldo assustador de vidas perdidas desde a invasão, sem que Putin alcançasse seu objetivo de subjugar Zelensky nem Zelensky demonstrasse a intenção de ceder. E tudo parecia prosseguir sem novidades até que, na segunda-feira da semana passada, houve um fato surpreendente: cerca de mil combatentes ucranianos invadiram o território russo e tomaram algumas povoações menores na região de Kursk. Ou seja, o agressor passou a ser agredido em seu próprio quintal.
Putin, é claro, reproduziu o roteiro seguido por qualquer ditador contrariado: ficou furioso, enfezado, colérico, descontrolado! Prometeu retaliar e é bem provável que nos próximos dias empurre o inimigo de volta para o território ucraniano. Mas, por menor que tenha sido a incursão, a devolução na mesma moeda da agressão sofrida há dois anos e meio já foi suficiente para que o mundo passasse a enxergar o ditador com olhos diferentes do que enxergava nos dias seguintes à invasão da Ucrânia.
O tirano ainda tem poder e é capaz de causar muito sofrimento não só à população dos territórios sob o jugo de seus exércitos, mas também a seu próprio povo. Mas, cada dia a mais na duração de um conflito que deveria ter se revolvido antes de completar um mês significa um ponto a menos na imagem de líder indestrutível que Putin sempre fez questão de ostentar. E ter se posicionado desde o início do lado errado do conflito (numa postura que, por sinal, era a mesma do governo de Jair Bolsonaro) em nada contribui para melhorar a imagem do Brasil perante o mundo.
Apoio a estupradores
Outra fonte permanente de preocupações para o mundo é o Irã. Na terça-feira passada, os aiatolás que conduzem o país com mão de ferro desde a revolução islâmica de 1979, apedrejam gays e açoitam mulheres que não se cobrem direito com o véu muçulmano, responderam com um sonoro não a um aceno de paz feito na véspera pelos governos dos Estados Unidos, França, Itália, Alemanha e Reino Unido. As potências ocidentais queriam que o país persa abandonasse a ideia de atacar Israel como retaliação ao ataque que, semanas atrás, eliminou o chefe terrorista Ismail Haniyeh — um dos chefes da facção Hamas.
O Brasil é um dos poucos países do mundo que se relaciona com o Irã como se ali reinasse a mais perfeita normalidade democrática. O país foi, por exemplo, o fiador da inclusão do país persa nos Brics. O anúncio do ingresso desse e de outros novos integrantes no bloco dos países que procuram medir forças comerciais e geopolíticas com os Estados Unidos e a União Europeia foi feito em agosto do ano passado, poucas semanas antes do ataque dos terroristas do Hamas contra Israel, no dia 7 de outubro de 2023.
O que tem o ataque do Hamas a ver com a amizade entre o Brasil e o Irã? Aparentemente, nada. Mas, quem reparar direito notará que esse tipo de companhia tem contribuído para afastar cada vez mais o Brasil de parceiros que podem ser muito mais úteis no futuro. Financiado e acobertado pelo Irã, o grupo terrorista foi responsável pela ação dos criminosos que cruzaram a fronteira e se puseram a degolar crianças, estuprar mulheres, pisotear idosos e sequestrar os civis que encontrassem pelo caminho. Deixar aquela agressão cruel sem uma resposta à altura seria uma atitude inaceitável. Israel reagiu. Deu início à guerra que dura até hoje e parece não ter hora para acabar.
O Irã, claro, nunca escondeu seu apoio ao Hamas, com quem compartilha o objetivo de aniquilar Israel e eliminar os judeus da face da terra. O governo brasileiro, embora tenha sido levado a condenar o atentado diante crueldade extrema praticada pelo Hamas, não demorou a mudar de posição — e logo passou a acusar Israel por estar reagindo com rigor excessivo contra os civis que os terroristas utilizaram como escudos humanos desde o início.
Ataque cirúrgico
Assim como o conflito na Ucrânia, a cobertura da guerra no Oriente Médio andava meio escondida no noticiário brasileiro até dias atrás. Desde o 7 de Outubro, Israel se manteve à caça de seus inimigos e um dos nomes que estava em sua mira era o de Ismail Haniyeh — um dos chefes do grupo terrorista. Considerado o chefe das articulações “políticas” do grupo, ele vivia protegido e cercado de luxo no Catar. E embora não fosse representante de um Estado reconhecido pela comunidade internacional, foi recebido com honras quando chegou a Teerã para acompanhar a posse de Masoud Pezeshkian na presidência da República.
Haniyeh foi tratado, na ocasião, com mais deferência do que o vice-presidente do Brasil, Geraldo Alckmin — que participou da cerimônia como representante do presidente Lula. Ao final do evento, Alckmin retornou ao Brasil e Haniyeh, que permaneceu em Teerã, se refugiou num bunker utilizado como abrigo de terroristas. Foi ali que foi alcançado pelo ataque que o matou.
O governo de Israel jamais assumiu a autoria da operação que eliminou o terrorista. Nos bastidores da comunidade internacional de inteligência circula a desconfiança de que, diante da precisão de um ataque em que, além de Haniyeh, apenas um guarda-costas perdeu a vida, a ordem pode não ter partido do governo de Jerusalém. Ataques como esse costumam ser mais destrutivos e ter menos precisão — e uma das hipóteses seria a de que havia dentro do próprio Irã rivais interessados em se livrar de Haniyeh.
Seja como for, o aiatolá Ali Khamenei — que comanda o esforço destinado a arrastar o Irã de volta à Idade Média — se mostrou tão irritado com o ataque quanto Putin ficou diante da invasão da Rússia pela Ucrânia. Chegou, logo nos dias seguintes, a ordenar despachar contra Israel drones rechaçados com facilidade pela defesa aérea. Mas manteve a ameaça de retaliar e não recuou nem diante do pedido das potências ocidentais para que não levasse a ideia adiante.
Colapso Definitivo
A ameaça de Putin e Khamenei de reagir às agressões de seus adversários com uma força muito maior do que a que foi lançada contra eles não surpreende. Ditadores, de um modo geral, têm o hábito de transferir para os inimigos a responsabilidade pelos desastres que eles mesmos provocam. Outro exemplo nesse sentido vem justamente da terceira maior fonte de preocupação que a humanidade tem nesse momento. E o responsável por ela é o caudilho Nicolas Maduro, o homem que não mede esforços para concluir o trabalho iniciado por Hugo Chavez e enterrar na miséria de uma vez por todas aquele que um dia foi um dos países mais prósperos da América Latina.
Cada vez mais indefeso diante das atrocidades de uma ditadura que se aferra ao poder com unhas e dentes, o povo da Venezuela continua sofrendo sob o tacão do verdugo. Sonhando em se legitimar no poder por mais seis anos (como se a Venezuela ainda tivesse forças para resistir por tanto tempo sem sofrer um colapso definitivo), Maduro resolveu convocar eleições. Se cercou de todas as precauções antes de chamar os eleitores às urnas. Afastou do caminho os adversários com mais chances de derrotá-lo, mandou prender opositores que ousaram desafiá-lo e escreveu ele mesmo as regras que pareciam feitas sob medida para assegurar uma vitória esmagadora. Só que não.
Nos últimos dias, o governo brasileiro, com Amorim encarregado pela condução das iniciativas, vem se esforçando para manter o apoio incondicional que sempre deu à ditadura de Maduro. Cada vez mais isolado na condição de fiador da tirania, o Itamaraty fez bem ao não reconhecer de imediato o resultado das eleições em que Maduro se declarou vencedor antes mesmo da conclusão da contagem dos votos.
O papel mais ridículo, nesse episódio, coube ao Partido dos Trabalhadores — que emitiu nota de apoio tão logo Maduro se autoproclamou vencedor de um pleito que, como todas as evidências indicavam, foi vencido pelo oposicionista Edmundo Gonzáles. O governo brasileiro preferiu esperar. E condicionou o reconhecimento do resultado à apresentação das atas elaboradas pelas seções eleitorais. E continua insistindo nesse ponto mesmo sabendo que, se Maduro quisesse ou tivesse o que mostrar para comprovar a lisura do resultado, teria feito isso desde o início.
Anão diplomático
O que Maduro faz ou deixa de fazer para defender um resultado em que nem ele mesmo acredita, é problema dele e de seu governo. Mas, em busca de uma saída para um problema criado pela insistência em tratar a Venezuela como uma democracia mesmo quando o mundo inteiro sambe que aquilo não passa de uma tirania da pior espécie, Amorim lançou uma dessas ideias que têm contribuído para alimentar a fama de anão diplomático que tem cercado o Brasil no cenário mundial.
O chanceler de facto do Brasil foi o primeiro a sugerir que o resultado das eleições de 28 de julho fosse esquecido e um novo pleito fosse convocado para decidir quem governará a Venezuela a partir de 10 de janeiro de 2025, quando se encerrar o mandato do ditador. A líder oposicionista Maria Corina Machado reagiu. Cobrou respeito ao povo venezuelano, lembrou que a oposição se submeteu às regras criadas pela ditadura e mesmo assim venceu as eleições — como comprovam os dados já reconhecidos como verdadeiros pelos Estados Unidos e pela Europa.
O governo brasileiro — sabendo que a sujeira de Maduro respinga cada vez mais sobre sua imagem — vem procurando se afastar da Venezuela. Mas o buraco que cavou para si mesmo com essa insistência em apoiar o ditador é tão profundo que já não é mais possível simplesmente lavar as mãoes e fingir que está tudo normal no país vizinho, como Lula tentou fazer no primeiro momento.
Amorim não consegue esconder que procura dar ao caudilho que o chama de “meu amigo” a chance de permanecer no poder. E Lula vai pelo mesmo caminho. Em entrevista a uma emissora de rádio do Paraná, o presidente disse que “ainda” não reconhece a vitória de Maduro nas eleições. “Eu não quero me comportar de forma apaixonada ou precipitada. Eu quero o resultado”, disse o presidente brasileiro.
O fato é que, assim como não reconhece o Hamas como grupo terrorista, o governo brasileiro insiste em tapar o sol com a peneira e não considerar a Venezuela uma ditadura. Em nome de levar adiante essa ideia, o Brasil liderou a formação de um bloco também integrado pelo México e pela Colômbia que se comprometeu com a procura de uma saída negociada para um impasse que só se encerrará no dia em que Maduro admitir sua derrota e deixar o poder.
Lula, porém, acredita que um “governo de coalizão” sob a liderança do ditador seja capaz de conduzir a Venezuela à normalidade. A ideia é tão absurda que, no país vizinho, foi rechaçada tanto pela oposição quanto pela situação.
O governo do México, por mais esquerdista que se declare, achou prudente não contrariar a posição dos Estados Unidos e se retirou do bloco que defende a tal “solução negociada” que o Brasil ainda imagina ser possível com Maduro. Os interesses comerciais com a maior potência do mundo falaram mais alto e o México resolveu não contrariar a posição norte-americana de reconhecimento à vitória de Gonzáles. A Colômbia, que também não quer comprometer suas boas relações econômicas com os Estados Unidos, também já deu sinais de cansaço e indicou que deve abandonar o bloco criado por Lula e deixar o Brasil sozinho em sua insistência de encontrar uma saída honrosa para o ditador.
É triste ver a diplomacia brasileira, que já foi considerada uma das mais eficientes do mundo, ter seu nome manchado pela condução ideológica que vem recebendo nos últimos anos. É triste ver os interesses do país — que tem muito a lucrar caso consiga manter desimpedidos os canais de diálogo com as grandes democracias — cada vez mais subordinados a dogmas terceiro-mundistas que já eram velhos no final do século passado. A esperança de que o país mude a condução de sua diplomacia e retorne ao tempo em que os interesses do país eram postos à frente da ideologia do governo está cada vez mais distante. E o problema do Brasil, para lembrar a frase citada no primeiro parágrafo deste texto, continuará não sendo a falta de persistência. Mas a persistência na falta.
Fonte: Nacional