A dialética do tempo – Tribuna do Norte
Vicente Serejo
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Brinca-se, ainda hoje, com a expressão ‘dialética’, principalmente depois do desgaste que sofreu com o modismo nas academias universitárias. Como nos velhos anos sessenta tudo que se queria elogiar dizia-se ser ‘lúcido e inserido no contexto’. Mas, a verdade ainda perdura, se tudo que se quer pensar deve suportar o jogo das justas e contraposições. As certezas, a cada dia, caem no desvão das coisas hoje questionáveis, e se o pós-moderno foi muito além do apenas moderno.
Serenados os ânimos e passado o cansaço da luta mais renhida, já resta uma especulação mais intensa do que todas as outras: qual será o futuro que o hoje ainda prefeito Álvaro Dias deseja construir para si mesmo? Sua estratégia será assinar a ficha do União Brasil e entregar ao tempo a construção de sua candidatura a senador? Sem mais questionar o sonho de governar sua terra, sob pena do cavalo não mais passar, recompensado em ser senador da república por longos oito anos?
Tudo que parece linear demais, acaba sendo de baixa intensidade estratégica. Depois, e é só esperar, em política nem aquilo que acomoda por ser o ideal de luta ao longo de dois anos, até a construção das chapas majoritárias e suas convenções consagradoras. É um tempo longo e é por isso mesmo que nenhuma posição há de ser definitiva com tanta antecedência. É in dispensável, dizem as raposas, manter o jogo de riscos deperdas e conquistas até como forma de sobrevivência.
Ninguém é candidato a nada, bem menos a mandatos de relevo como senador e governador, se antes não se mantiver vivo e in dispensável. E é exatamente este, hoje, já silenciado o rufar dos tambores, o desafio de Álvaro Dias. Até para que seu peso não venha a ser aferido tão somente pelo ex-senador José Agripino, presidente do União Brasil no Estado, mas para ser avaliado como indispensável por todas as forças que compõem a união em busca de conquistar o poder em 2026.
É nessa perspectiva que a Álvaro Dias, depois de entregar a Prefeitura a Paulinho Freire, e por isso mesmo, cabe manter-se vivo e atuante no grupo que escolheu para construir seu futuro na política. O ex-senador José Agripino foi um articulador com toda eficiência reunindo forças para o exército, mas a ação executiva foi do prefeito, o condutor que sabia ser indispensável derrotar o ex-prefeito Carlos Eduardo Alves, no primeiro turno, e tornar mais fácil uma vitória sobre o PT.
É esse capital político que torna indispensável a vigilância de Álvaro Dias que até por sua tradição não costuma antecipar decisões de forma peremptória. Pode até vir a assinar a ficha do União Brasil, como chegou a fazer um comício anunciando seu apoio a Jair Bolsonaro, mas sem deixar as peias que pudessem amarrar seu futuro. E Álvaro mostrou que sabe, sem inquietações, manejar as pedras no jogo do tempo. Uma candidatura se faz a cada dia. Sem pressa e sem demora.
PALCO
JUSTO – Sejamos justos, se tem sido unânime, segundo as fontes desta coluna que não perdem o centro crítico: serena e cuidadosa a retórica de paz e pacificação do prefeito eleito Paulinho Freire.
AVISO – A absolvição de José Dirceu pode trazê-lo de volta. Ainda que se reconheça a capacidade de luta e sua história, não representa a renovação no PT. Mesmo sendo um símbolo de resistência.
PALAVRA – Do padre e escritor João Medeiros Filho, citando Santo Agostinho, doutor da Igreja, ele que tem a palavra sublime: “A morte é a aurora da eternidade e nos faz semelhantes a Deus”.
HOJE – Este 31 de outubro de 1925 falecia, aos 25 anos, vítima da tuberculose, o artista plástico e ilustrador Erasmo Xavier. O modernista que foi capista de O Cruzeiro ao lado de Di Cavalcanti.
MAIS – A jornalista Rejane Cardoso, sobrinha e biógrafa, autora da pesquisa que levou trinta anos para a sua segunda e definitiva edição, foi finalista do Jabuti, o mais importante prêmio do país.
SERTÃO – Dia 9 de novembro, em Currais Novos, no Festival Literário, tem uma conversa, ao vivo, deste leitor de Oswaldo Lamartine com Abimael Silva, o maior editor de sua grande obra.
POESIA – Ainda da poetisa Micheliny Verunschk, do seu ‘Geografia Íntima do Deserto’, estes versos apaixonados bem assim: “É concha a tua boca / que me promete / continentes submersos”.
MEDO – Nino, o filósofo melancólico do Beco da Lama, na hora que ameaça a alguns, repetiu, no mormaço, com a velha lição: “Para fazer jornalismo não precisa coragem. Basta não ter medo”.
CAMARIM
REDE – Em S. Gonçalo do Amarante, o do Ceará, o tema para os alunos da rede pública de ensino no dia do livro foi a ‘Rede de Dormir’. Câmara Cascudo é o autor do maior ensaio sobre a rede. Foi ele que ensinou ao Brasil que a rede ajuda a embalar os sonhos. Na sua terra nada aconteceu.
MEMÓRIA – Há uns bons anos, foi realizado, em um hotel da Costeira, em Natal, um seminário nacional sobre vários temas ligados à psiquiatria. A convite do médico Maurilton Morais, defendi a rede como o divã dos nordestinos. E citei Oswaldo Lamartine, um defensor da terapia do cafuné.
COMIDA – Já nas livrarias, com resenhas elogiosas, ‘Comida Comum’, de Neide Rigo, edição Ubu, filha de pais e neta de avós que viveram na roça, no interior de São Paulo. Bem sacado e bem escrito, comete a estranheza de não citar ‘História da Alimentação no Brasil’, de Câmara Cascudo.
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