A Igreja e a crise
Cláudio Emerenciano
Professor da UFRN
Não há como entender o Cristianismo sem a fé e o amor em Jesus Cristo, o Filho de Deus. Ele veio ao mundo para revelar o Pai, Criador do Universo, e testemunhar Seu amor infinito pela humanidade: “Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar. Vinde a mim todos os que estais cansados sob o peso do vosso fardo e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas, pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mateus 11).
A invocação das palavras de Jesus é essencial para compreensão das circunstâncias que acometem o mundo, o Brasil e a Igreja Católica. A crise é da humanidade, de todas as culturas e religiões. É uma espécie de estigma destes tempos, que desafiam e desnorteiam católicos universalmente.
A Igreja é santa e pecadora. Santa e santificada pelo amor do Pai, pelo testemunho de Jesus e pela iluminação do Espírito Santo. Também pela vida de tantos quantos, carregando o peso de suas fragilidades e contradições, acreditam em sua remissão pela imolação do Cristo na Cruz: “Pai, perdoai-os, pois não sabem o que fazem”. É pecadora pela natureza da condição humana, insegura e hesitante, incapaz até hoje de realizar, em plenitude, a justiça e a igualdade entre os homens.
Mas o legado de Jesus realimenta a fé e a esperança: “Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os doentes. Eu não vim chamar justos, mas pecadores” (Marcos 2). Assim o Papa Francisco declarou enfaticamente que Jesus Cristo, Nosso Senhor, só admite um extremismo: o da CARIDADE. A caridade implica em tolerância, paz, solidariedade, diálogo e convergência espiritual e moral. Não há civilização cristã sem a CARIDADE.
Os governantes de países cristãos têm responsabilidades com a perpetuação e o cumprimento de princípios espirituais, morais, éticos e culturais. É indeclinável, disse Santo Agostinho, em “A cidade de Deus”, a busca sem fim da justiça, da paz e da felicidade entre os homens. São Tomás de Aquino, na “Suma Teológica”, foi enfático: o homem foi criado para ser feliz.
Conflitos cruéis, selvagens, desumanos e “apocalípticos” submetem a humanidade a crescentes estertores de insegurança e desarmonia. O quê fazer? O Papa São Paulo VI anteviu a crise atual da Igreja: “a Igreja dever ser protegida também de padres e bispos heterodoxos e espiritualmente fracos”. Consequentemente, a crise também alcança, pela ação das trevas, o seio da religiosidade cristã. Esse desafio remonta a tempos primitivos da espécie humana. O próprio Cristo foi tentado e desafiado no deserto. Tomasso Campanella, na “Cidade do sol”, no século XVI, já exortava clérigos e leigos à vida “movida essencialmente pela fé cristã”. Nada mudou…
Vivemos tempos chocantes e imprevisíveis. Em 24 de novembro de 1962, o então arcebispo Karol Wojtyla profetizou o consumismo, a egolatria e o declínio moral dos nossos dias: “A dignidade da pessoa humana deve ser preservada, para não se entrar em conflito com a razão de ser do Homem, e então toda essa corrida infernal em busca dos bens terrestres não leva a nada”. E arrematou: “A lei moral é o fundamento da ordem social”.
Sou católico praticante, ex-coroinha, membro de movimentos como as antigas Juventudes Estudantil e Universitária Católica. Sei que muito se exige da Igreja. Especialmente num país como o Brasil, cuja crise – tenho afirmado repetidas vezes neste espaço que a TN me faculta – é diferenciada e atípica, senão insuperavelmente vergonhosa. Sou setuagenário e, graças a Deus, não nutro nenhum tipo de intolerância e extremismo.
A igreja, em outros tempos, no Brasil e outras partes do mundo, foi manipulada em face da boa-fé dos seus prelados. Episódios da 2ª Guerra e do regime militar no Brasil e na Argentina tipificam essas circunstâncias. Tudo se explica pelas fragilidades e contradições da condição humana em sua hierarquia: sacerdotes, religiosos e leigos. Enfim, tudo é o homem em si, disse São Paulo.
A Igreja não pode converter-se em massa de manobra de ninguém. Não abordo o conteúdo de reformas reclamadas e necessárias ao país e ao resto do mundo, ou seja, mudanças sociais e políticas nas nações. Mas o papel da Igreja é de advertir e serenamente orientar. Nunca ser “bucha de canhão” para favorecer responsáveis por essa monstruosa crise, que esbulha ainda mais os pobres e condena ainda hoje milhões ao desemprego, à miséria, à fome e à ignorância.