Crime organizado usa ‘bets’ lavagem de dinheiro e arrecadação de recursos
Investigações conduzidas pelo Ministério Público e por órgãos policiais no Brasil indicam que facções criminosas, como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), estão utilizando plataformas de apostas online, conhecidas como “bets”, para lavar dinheiro proveniente de atividades ilegais, como tráfico de drogas e jogos proibidos. De acordo com levantamento do jornal Gazeta do Povo, ao menos 80 inquéritos estão em andamento em diferentes estados do país.
As “bets” abrangem tanto apostas esportivas quanto cassinos online, onde os jogadores investem dinheiro na expectativa de prêmios em dinheiro. Embora existam mais de 400 sites ativos no Brasil, nem todos são investigados, e muitos operam legalmente. Segundo o instituto Datahub, 217 empresas desse setor estão legalmente registradas no Brasil.
As plataformas ilegais operam de duas maneiras principais. A primeira envolve a lavagem de dinheiro, inserindo fundos obtidos de forma ilícita como apostas. Os sorteios são manipulados para pagar prêmios a pessoas envolvidas no esquema, transformando dinheiro sujo em capital limpo. A segunda forma é a operação de “bets” no estilo de máquinas caça-níqueis virtuais, com jogos programados para garantir lucro aos operadores. Em alguns casos, apostadores que ganham prêmios elevados não são pagos.
As investigações apontam para o envolvimento direto de facções criminosas em diversas operações, como no Ceará, onde a Polícia Federal (PF) prendeu pessoas ligadas ao PCC em abril deste ano. A operação revelou movimentações ilegais de mais de R$ 300 milhões e evidências de lavagem de dinheiro envolvendo pelo menos seis sites de apostas.
Em entrevista à imprensa, o delegado da PF Igor César Conti Almeida afirmou que “[há] robustos indícios, também, da prática de lavagem de dinheiro obtido de forma ilícita”. Além disso, a facção rival, o Comando Vermelho, estaria ampliando sua atuação no estado, inclusive com disputas territoriais relacionadas ao controle de casas de apostas.
Caso da influenciadora Deolane Bezerra
Em outro caso recente, uma operação policial no estado de Pernambuco prendeu um grupo suspeito de movimentar mais de R$ 2,1 bilhões por meio de sites de apostas. Entre os detidos, estava a influenciadora Deolane Bezerra, que, segundo a polícia, operava uma plataforma chamada Zero Um Bet, utilizada para lavagem de dinheiro.
Deolane, que foi inicialmente colocada em prisão domiciliar e depois retornou ao encarceramento por descumprimento de ordens judiciais, declarou à polícia que seus recursos provêm de honorários advocatícios e publicidade, negando qualquer envolvimento com atividades ilegais.
O uso de plataformas de apostas para atividades criminosas não é novidade, segundo especialistas. Em entrevista à imprensa, o advogado Igor Berti destaca que “há uma lacuna operacional no controle eficaz dessas atividades, o que pode permitir que o crime organizado se beneficie do mercado desregulado ou mal supervisionado”.
Berti também apontou que a natureza global das apostas online dificulta a ação das autoridades brasileiras, uma vez que criminosos podem operar de países com legislações mais permissivas.
A regulamentação das apostas online no Brasil ainda está em processo de desenvolvimento. A legislação mais recente, Lei 14.790/2024, exige que as empresas de apostas tenham sede no Brasil e estabelece um pagamento de R$ 30 milhões para a obtenção de autorização para operar legalmente a partir de 2025.
A falta de regulamentação eficaz tem permitido que facções criminosas se aproveitem das lacunas legais, conforme avaliam economistas.
As operações policiais continuam monitorando as atividades das “bets” em todo o país, com casos sendo investigados em estados como Rio de Janeiro e Rondônia. Em Rondônia, uma operação identificou movimentações de dinheiro provenientes do tráfico de drogas através de um site de apostas chamado Rondo Esportes, que chegou a pagar R$ 13 milhões em prêmios em uma única semana antes de ser suspenso pela Justiça.
As autoridades reforçam que, sem uma fiscalização eficaz e uma regulamentação bem estruturada, a tendência é que novas plataformas continuem surgindo, mantendo os esquemas criminosos ativos.