Da casa, ainda – Tribuna do Norte
Vicente Serejo
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Há uns poucos dias, acordei com a sensação de que havia omitido Sérgio Porto na crônica que escrevi sobre a casa, a partir daquela onde vivi, na Rua Mossoró, que reencontrei já demolida e precisei reconstruí-la com os tijolos da memória. Era verdade e foi imperdoável. Deu título ao seu segundo livro – ‘A Casa Demolida’, Editora do Autor, Rio, 1963, publicado cinco anos depois de sua estreia – “O Homem ao Lado’, J. Olympio, Rio, 1958, ele um lírico que arrebatou muitos leitores.
Não custa saber da morte lenta da crônica lírica que antes de morrer agonizou durante anos. Os jornais foram perdendo Manuel Bandeira, Antônio Maria, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Vinícius de Morais, Carlinhos Oliveira, Carlos Drummond e Fernando Sabino. O lirismo ficou órfão, a sofrer o desdém da crítica universitária. Só depois reconheceram a crônica como gênero, em dois grandes seminários – na Biblioteca Mário de Andrade e da Universidade de Campinas, SP.
Sérgio Porto foi um dos primeiros a abandonar o lirismo. Passou a ser coisa meio cafona. Até hoje, se ousar elevar a voz, um cronista lírico corre o risco de ser vaiado pelos mestres, doutores e pós-doutores nos draconianos tribunais acadêmicos. O cronista da vida mundana é um bicho fora de moda, caído em desuso, inservível para a glória universitária. Se tanto, e por compaixão, ganha de uma pós-doutora, mas se for generosa, um olhar misericordioso, último prêmio a um condenado.
Voltemos ao remorso pela omissão. Alguns dezenas das crônicas de ‘A Casa Demolida’ foram publicadas em ‘O Homem ao Lado’, revividas quase todas. Na primeira parte, sob o título ‘A Casa’, são nove crônicas. Abre com a ‘A Casa Demolida’ que Sérgio Porto escolhe para ser o título. Há uma segunda – ‘Relíquias da Casa Velha’ – título que toma emprestado de Machado de Assis, a última reunião de textos que o Bruxo do Cosme Velho publica, dois anos antes de fechar os olhos.
Em ‘A Casa Demolida’, Sérgio que no dia da mudança fotografou todos os cômodos, como um registro de um tempo imenso de vida, foi reconstituindo cada lugar: a varanda, por onde subiam os galhos da acácia; a sala de visita e a de jantar; a mesa grande, as janelas, os pratos chineses que pendiam da parede da sala, e um quadro da Ceia Larga. E bem no fim, fechando o relatório da sua saudade, um doce recado: “Olha Manuel Bandeira: a casa demoliram, mas o menino ainda existe”.
É bonito quando diante da casa desaparecida, Sérgio Porto revela o seu belo lirismo e deixa que a saudade tome conta do homem. E escreve: “Tudo é silêncio, tudo é quietude. Somente os pássaros. Os pássaros e as lembranças”. E de repente toma conta dos seus olhos, como uma bela miragem, a figura de sua mãe, aquela que fora “a moça mais bonita do Colégio Sion”: “Quase a vejo caminhando a sorrir”. E desce a ladeira devagar, “pois já não há pressa, nem a alegria de então”.
PALCO
JOGO – Do lobo-guará, vendo os pedidos dos seus muitos e fortes aliados: “O prefeito Paulinho Freire vai atender a todos, mas não dará, a nenhum dos nomeados, o certificado de inafastável”.
MAS – Álvaro Dias está certo de que Paulinho Freire cumpre o pactuado e nomeia a vice Joana Guerra para o Planejamento. Ela antes chefiou esse cofre e sabe que é a chave de todas as portas.
HISTÓRIA – Este 2024 vai vivendo, neste dezembro, os seus últimos dias sem que as instituições culturais tenham lembrado os 100 anos da Coluna Prestes. Passou aqui, pelos altos sertões do RN.
COMO? – Pergunta-título do artigo de Renato Terra sobre a nova tentativa de golpe para depor Lula e assassinar o ministro Alexandre de Morais: “E se o Exército agisse como os Bolsonaros?”.
ALIÁS – Recado de Deus para os golpistas, segundo Ruy Castro: “Vá devagar, meu rato. O ratão por quem você se dispõe a morrer vai te deixar na rua, assim que as coisas apertarem para ele”,
FEIRA – A última feira de livros do ano, com a organização do Coletivo dos Sebos, no Centro de Convivência da UFRN, será de 16 a 20 de dezembro. Mais de dez sebistas levarão seus acervos.
POESIA – Do grande poeta Carlos Drummond de Andrade, no belíssimo poema ‘Necrológico dos Desiludidos no Amor’, na sua plenitude: “Os desiludidos do amor / estão desfechando tiros no peito”.
PAIXÃO – De Nino, o filósofo melancólico do Beco da Lama, confortando um amigo que sofre a dor do amor impossível: “Toda paixão proibida deixa, na alma, a triste dor do desejo impossível”.
CAMARIM
ENIGMA – Poucos meses antes do diagnóstico do Mal de Alzheimer, já com data marcada para a viagem à Suiça, onde praticaria o suicídio assistido, o poeta e filósofo Antônio Cícero, deixou, nas mãos do diretor da Companhia das Letras, Luiz Schwarcz, o último livro. Título: “O Eterno agora”.
ADEUS? – Muito culto e com uma sólida formação filosófica em universidades da Europa, é pouco provável que tenha sido um simples plágio ou cópia do título do livro de Alex Diniz – “O Eterno Agora, a ilusão do Amanhã’. Grande poeta e ensaísta, pode ter sido seu jeito discreto de dizer adeus.
ENSAIOS – Os sete ensaios de filosofia reunidos por Antônio Cícero são inéditos em livros, mas antes, e ao longo de alguns anos, foram escritos e lidos nos grandes seminários promovidos por Adauto Novaes. Prefaciador e a quem o livro é dedicado. E a sua data de apresentação: “Julho 2024”.
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