Da mentira – Tribuna do Norte
Vicente Serejo
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O ser humano pode até ter o direito pessoal de mentir, desde que não seja vício, filho natural da torpe deformação de caráter. E se for para o bem na busca de salvar uma vida. Sem a maldade dos que a praticam por vilania ou safadeza. O problema é que a mentira, reza a sabença popular, tem pernas curtas. A não ser quando de mulheres de pernas longas e bonitas que só a biologia é capaz de conceber. Nem por isso, ou mesmo assim, deixa de ser mentira, um pecado sem perdão.
Sempre foi muito comum em tempos de lutas eleitorais o artifício da mentira, se na política o feio é perder. A informação, muito mais agora com as redes sociais, transita perigosamente entre a verdade e a verossimilhança. Para distingui-la, avisa-se aos incautos, é preciso ter um bom e rico repertório e, ao mesmo tempo, uma destreza de percepção capaz de vislumbrá-la. Uma demora no flagrante e a pulverização inventa a falsa verdade, e muitos são incapazes de engenhosos artifícios.
Uma frase do escritor, roteirista e apresentador Marcelo Tas, no novo livro – ‘Rackeando sua Carreira’, edição Planeta, SP, 2024 – resume, com a perfeita pontaria de um sniper, o que um teórico consumiria laudas e laudas em divagações exegéticas: “Daí o dito popular – ‘Sou como São Tomé, só acredito vendo’ – e acrescenta: “Na era digital a coisa se inverte. As pessoas só querem ver aquilo em que acreditam”.
É como se a informação e as opiniões não passassem de crenças.
As redes sociais são forças fundantes e por isso há um novo modelo de retórica no ar, sem as boas raízes na arte aristotélica. Se antes havia o engendramento de silogismos que exigia um jogo cerebral de elevada inteligência, ainda que posto a serviço de um exercício de simulação, hoje não passa de um falso jogo retórico, montando e desmontando discursos de ódios e paixões, úteros perversos no qual foi fecundado o maniqueísmo para fixar o bem e o mal como únicas referências.
Desde muito cedo, na tenra idade, como diriam sonetistas do parnaso, ouvia-se a repetição de um silogismo precário e simplório, que dizia assim ou mais ou menos assim: “O cachorro é um animal. O homem é um animal, portanto, o homem é um cachorro”.
Só muito tempo depois, tomei consciência das premissas e, pior, de como é perigoso não ter a agudeza de percebê-las quando são falsas. Nem sempre, se bem engendradas na arte da farsa, levam à verdade só por inferência.
Os defensores das redes sociais, quando desprovidos de visão crítica, ou por simples desejo de livrá-las da responsabilidade, escondem que as plataformas são também veículos e, na própria prática, exercem esse papel, como o jornal, a revista e a tevê. Por isso, são corresponsáveis pelo que veiculam, se a veiculação é parte inseparável de todo processo de comunicação. Aliás, nunca a difamação difusa esteve tão protegida. Até agora, convenhamos, o mal venceu. Sem temer a lei.
PALCO
HOJE – O publicitário Alexandre Macedo recebe os seus muitos amigos a partir das 17h de hoje, no foyer do Teatro Riachuelo. Autografa seu livro: “Sem ter medo de ser marqueteiro”. Todos lá.
DÚVIDA – Qual é o montante da grana que o Detran terá que devolver pelas milhares de multas indevidas que cobrou dos motoristas de Natal? A ação do MP garantiu esse direito líquido e certo.
HUMOR – De um professor, irritado com a proibição do aumento de salário, ao saber da visita de alguns técnicos petistas à China: “Agora ninguém pode mais mandar o governo pra China. Já foi”.
ANOTE – Dom João Santos Cardoso vai demorar pouco em Natal. Será cardeal-arcebispo em Salvador ou Belo Horizonte. É um dos mais preparados do Brasil. Como teólogo e como gestor.
NOTÍCIA – Nem tudo foi devorado pelo pessimismo das más notícias: ao longo do mês de agosto São Paulo ganhou quatro novas livrarias de rua. Os livros são as grandes catedrais da democracia.
DOC – A jornalista Margot Ferreira propôs, e ela mesma vai dirigir, um documentário sobre a vida e a produção musical de Mirabeau Dantas. Nome a quem se deve por sua história. Aqui e no Rio.
POESIA – Da poetisa e filósofa Viviana Mosé, do seu livro “Meu braço esquerdo”, esse verso que de tão belo e perfeito vale por um longo poema de amor: “Amar é muito mais do que ser amado”.
ASSALTO – De Nino, o filósofo melancólico do Beco da Lama, os olhos acesos na tarde caída já naquele último instante de luz: “O pobre de espírito sempre encontra um jeito de ameaçar o amor”.
CAMARIM
ELOGIO – O candidato Rafael Mota é dono, sem favor, da melhor e mais moderna visão crítica para Natal. Suas ideias e capacidade de formulação, em forma e conteúdo, estão bem acima dos pratos-feitos do marketing eleitoral dos concorrentes. E sem os travos ideológicos da intolerância.
ALIÁS – O marketing eleitoral que se assiste na tevê parece que atingiu sua própria exaustão. A falta de criatividade mostra uma retórica na menopausa. É repetitivo, caído na mesmice do seu climatério. Os candidatos dizem o que está no teleprompter, mas sem a menor força de convicção.
PIOR – Como todos, de alguma forma, fazem política em Natal há anos e anos, na condição de vereadores, deputados e prefeito, não passam de ventríloquos de velhas e cansadas ideias. De uma Natal imaginária ou, tanto pior, de um democracia plena que eles nunca exerceram na vida pública.
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