Política
Estudo sobre eficácia de vacina da gripe não conclui que imunizante aumenta o risco da doença

É enganoso post que usa estudo feito nos Estados Unidos para afirmar que a vacina contra a gripe é ineficaz e que vacinados têm 27% mais chance de pegar a doença. O estudo foi feito em um centro médico, incluiu apenas profissionais de saúde, em sua maioria adultos jovens e saudáveis, e mediu somente a incidência de gripe entre vacinados e não vacinados. O estudo fala que a eficácia no grupo estudado foi de -26,9%, mas, segundo autores, e diferentemente do que o post afirma, os resultados não concluem que a vacina aumenta o risco de gripe. Além disso, o material não foi revisado por pares e tem limitações, ainda de acordo com os próprios estudiosos.
O conteúdo foi investigado por Estdadão e O Popular, e verificado por Tribuna do Norte, Folha de S.Paulo e UOL.
Conteúdo investigado: Publicação alegando que estudo feito nos Estados Unidos mostra que a vacina da gripe é ineficaz na prevenção da doença.
Onde foi publicado: Site e X.
Conclusão do Comprova: É enganoso o conteúdo de um post do site Médicos pela Vida, segundo o qual um estudo científico aponta que a vacina contra a gripe é ineficaz na prevenção da doença e aumenta em 27% o risco de adoecer. A pesquisa foi feita em um centro médico, incluiu apenas profissionais de saúde que trabalham no local, em sua maioria adultos jovens e saudáveis, e mediu somente a incidência de gripe entre vacinados e não vacinados.
Segundo os autores, o estudo tem limitações e os resultados não concluem que a vacina aumenta o risco de gripe, mas sim que, no grupo restrito analisado, a eficácia do imunizante foi de -26,9%, com uma margem de erro entre -55,0% e -6,6%. O imunizante trivalente inativado, usado pelas pessoas citadas na pesquisa, é o mesmo administrado na população brasileira.
O artigo avaliou a incidência de gripe, e não a gravidade ou nível de hospitalização pela doença, o que historicamente a vacina costuma reduzir. O artigo foi publicado em fevereiro deste ano e atualizado em abril, mas ainda está em fase de preprint, ou seja, não foi avaliado por pares. Segundo o próprio site em que ele foi publicado, estudos como este relatam “novas pesquisas médicas que ainda não foram avaliadas e, portanto, não devem ser usadas para orientar a prática clínica”.
Além disso, os próprios autores do estudo disseram ao Comprova que “os resultados não sugerem que a vacinação aumenta o risco de gripe” e sim que “a eficácia da vacina desta temporada [2024-2025] na prevenção da gripe pode ter sido limitada em profissionais de saúde relativamente saudáveis”. A vacina contra a gripe é uma estratégia eficaz de combate à doença e usada de forma ampla no mundo desde a década de 40.
O Comprova entrou em contato com o site que fez a publicação, mas não obteve resposta até o fechamento deste texto.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 16 de abril, a publicação tinha 42,2 mil visualizações no X.
Fontes que consultamos: O estudo publicado no MedRxiv, o site da Cleveland Clinic, os autores da publicação, especialista membro da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e o site do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).
O que diz o estudo e onde ele foi publicado?
O estudo que deu origem ao texto checado foi feito com cerca de 50 mil trabalhadores do Cleveland Clinic, um centro médico de pesquisa estadunidense, entre outubro de 2024 e janeiro de 2025. O intuito dos pesquisadores foi verificar a incidência cumulativa da influenza entre esses trabalhadores – em sua maioria, adultos saudáveis – vacinados e não vacinados contra a doença.
Os resultados apontaram uma incidência semelhante de gripe entre os dois grupos no início, mas ela teria aumentado mais rapidamente entre os vacinados ao longo do estudo. A grande maioria dos profissionais que fizeram parte da pesquisa estavam vacinados contra a Influenza e receberam a vacina inativada trivalente.
Segundo dados publicados na versão do texto atualizada em 4 de abril, dos 43,8 mil profissionais vacinados, 1.079 foram infectados (2,02%). O texto apontou que “a vacinação contra influenza foi associada a um maior risco de influenza durante a temporada viral respiratória de 2024-2025, sugerindo que a vacina não foi eficaz na prevenção da doença”.
Apesar disso, os pesquisadores disseram ao Comprova que a conclusão não sugere que a vacinação aumenta o risco de gripe, nem os resultados se aplicam a toda a população – eles se limitam a profissionais de saúde saudáveis. Além disso, há limitações especificadas no próprio texto do artigo, como o fato de ele não ter medido a eficácia da vacina para reduzir a gravidade da doença e as hospitalizações.
Quem são os responsáveis pelo estudo? Ele foi revisado?
O artigo é assinado por quatro pesquisadores: Nabin K. Shrestha, médico do departamento de doenças infecciosas da Cleveland Clinic; Amy S. Nowacki, médica do departamento de ciências quantitativas da saúde da Cleveland Clinic; Steven M. Gordon, médico do departamento de doenças infecciosas da Cleveland Clinic; e Patrick C. Burke. O quarteto já assinou uma série de artigos juntos.
A publicação disponível online, por enquanto, não foi revisada por pares. O artigo foi publicado no repositório online MedRxiv, projeto colaborativo do laboratório Cold Spring Harbor (CSHL), Universidade de Yale e British Medical Journal (BMJ). A plataforma é destinada à publicação de preprints acadêmicos. O Frequently Asked Questions (FAQ) do site aponta que as publicações feitas ali não são revisadas por pares, nem sofrem edições antes de serem publicadas, podendo conter erros.
O site do repositório ainda deixa claro que preprints não devem ser considerados como orientação para a prática clínica ou comportamentos relacionados à saúde e não devem ser divulgados na mídia como informação consolidada.
O próprio estudo, no subtítulo da discussão, aponta que existem limitações importantes no preprint. Uma delas é o fato de que a vacina inativada trivalente contra a Influenza foi usada em 99% da coorte de estudo, e que não se pode descartar a possibilidade de que outras vacinas tenham sido mais eficazes na temporada de 2024-2025. O estudo também não comparou hospitalizações e mortalidades, nem incluiu crianças e idosos.
Publicação não concluiu que vacina da gripe é ineficaz, dizem autores
Em nota enviada ao Comprova, os autores do estudo explicaram que “os resultados não sugerem que a vacinação aumenta o risco de gripe”. Isso vai de encontro à publicação que viralizou no Brasil. “Em vez disso, o estudo sugere que a eficácia da vacina desta temporada na prevenção da gripe pode ter sido limitada em profissionais de saúde relativamente saudáveis”, completa a nota.
Os estudiosos acrescentaram que a vacina contra a gripe pode ser altamente eficaz na redução da gravidade da doença, na prevenção a hospitalizações e na minimização da disseminação do vírus. No entanto, a eficácia pode variar a depender da cepa predominante em cada temporada, além de fatores individuais, como idade e condições de saúde.
“A análise dos dados mostrou que a incidência de influenza foi maior entre os indivíduos vacinados do que entre os não vacinados. No entanto, os dados vieram de uma população relativamente saudável de cerca de 50 mil profissionais de saúde e não representavam a população em geral”, frisa a nota. Os pesquisadores destacaram ainda que o número de pessoas infectadas foi pequeno diante de um universo de mais de 43 mil vacinados.
Leia abaixo a nota completa do Cleveland Clinic:

O estudo tem fragilidades?
O estudo se trata de um preprint, ou seja, ainda não passou pela revisão de pares. Nesse sentido, a vice-presidente da regional São Paulo da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Melissa Palmieri, aponta que a pesquisa possui fragilidades relacionadas ao tipo do estudo e à população que foi analisada.
A pesquisa foi feita com uma população relativamente jovem, com idade média de 42 anos, sendo 75% do sexo feminino. Cerca de 20% exerciam atividade profissional em enfermagem clínica. “Isso limita a generalização dos resultados para outras faixas etárias, gênero e população fora do ambiente de saúde”, explica Melissa.
A especialista esclarece que a natureza ocupacional das pessoas que participaram da pesquisa (todas atuam na Cleveland Clinic) pode interferir em pontos como o grau de exposição ao vírus e o nível de cuidado com a própria saúde, o que pode enviesar o estudo.
Na análise de Melissa, o tipo do estudo (estudo de coorte prospectivo) também deixa perguntas sem respostas. “Quem se testava mais? Eram imunossuprimidos? Tinham filhos pequenos em creches (crianças têm mais chances de se infectar)? Trabalhavam na assistência direta aos pacientes? Em detrimento de quem não se vacinou, mas também não se testou ou até fez o autoteste, mas não reportou?”, pondera.
Ela ainda critica o fato do estudo não ter acompanhado o estado de saúde das pessoas que adoeceram. “A grande riqueza da vacina é prevenir casos graves e mortes. O ideal é que se olhasse os desfechos graves”, frisa Melissa, que classifica a postagem em questão como um caso de cherry picking. “Pegam um estudo, dentre milhares que mostram a segurança e eficácia (da vacina), e fazem uma descontextualização da importância da vacinação contra a gripe”, diz Melissa.
Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: O PolitiFact e a Lupa também checaram conteúdos nas redes sociais sobre o mesmo estudo. Sobre a covid-19, o Comprova já verificou outros conteúdos publicados pelo MPV: mostrou ser enganoso que um estudo de Harvard comprovava a eficácia da hidroxicloroquina na prevenção da doença; publicou que era falso que pessoas vacinadas tinham o dobro de chance de se contaminar; que o site enganava ao dizer que miocardite e pericardite são causadas apenas por vacina, e não por covid-19; e ainda que a morte de seis médicos canadenses não teve relação com o imunizante.
Notas da comunidade: Até a publicação deste texto, não foram adicionadas notas na comunidade à postagem no X.