No limiar da esperança – Tribuna do Norte

No limiar da esperança – Tribuna do Norte
Publicado em 30/10/2024 às 5:15

Cláudio Emerenciano
Professor da UFRN
 
Há momentos em que as nações se reencontram. Superam suas crises existenciais pela intensidade e fulgor de luz da fé dos que a fazem. Inesperadamente fatos, eventos e circunstâncias imprimem-lhes novos rumos. Reacendem novas esperanças e perspectivas à vertente de sua História. O declínio ético-moral de uma nação é insuperável como fonte desagregadora dos seus valores, dos seus sonhos, de suas potencialidades e de sua percepção do mundo e da vida. Eis lição e veredicto que emergem da poeira do tempo. Civilizações extintas jazem em processo implacável de autodestruição. Testificam, através da arqueologia e da antropologia, seu desmoronamento institucional, espiritual e moral.

Christian Jacq, romancista, arqueólogo, historiador e filósofo, dissecou a antiga civilização do Egito. Seus conhecimentos desvendaram crenças, valores, tradições, usos, costumes e instituições, que se aprimoraram durante milênios antes de Cristo. Will Durant e Arnold Toynbee, em notáveis obras de História da Civilização, reiteraram que o apogeu e o declínio dos povos estão associados à questão da ética e da moral. Esse esgarçamento delimita o início de rupturas catastróficas. Não é paradoxal dizer que a ascensão do nazismo na Alemanha coincidiu com desagregação moral sem precedentes. O cinema mergulhou na questão. Dois filmes reconstituíram fielmente essa tragédia: “Os deuses malditos” de Luchino Visconti e “O ovo da serpente” de Ingmar Bergman.

Não houve, nem haverá, maior transformação, com o mesmo grau de desdobramentos, de revisão de valores, de mudança em termos espirituais, morais, antropológicos e políticos, do que o anúncio da “Boa Nova da redenção pelo amor”. Uma das obras mais importantes sobre os primeiros tempos do Cristianismo é “História Eclesiástica” (“Os primeiros quatro séculos da Igreja Cristã”) de Eusébio de Cesaréia. O livro abrange a vida cristã desde o Pentecostes no ano 33 d.C. (Pentecostes é uma das celebrações mais importantes do calendário cristão. Comemora a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos, Maria Santíssima e outros seguidores). É celebrado 50 dias depois do domingo de Páscoa, e ocorre no sétimo dia depois da celebração da Ascensão de Jesus.

Até o ano de 324 d.C. com a ascensão de Constantino como soberano único do mundo romano, cristãos em todo o mundo, em 21 séculos, não foram capazes de converter plenamente a “Cidade dos homens” em alicerce da “Cidade de Deus”. A antevisão de Santo Agostinho é a de que os homens, pela crença, exercício e partilha do amor, revogariam definitivamente injustiças, ódios, miséria, ignorância, estupidez, hipocrisia, guerras e maldades. Cristianismo é nascer de novo para a Luz. É amar a Deus e ao próximo sem vacilar: “…Ouve Israel! O Senhor nosso Deus é um só. Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com toda a tua força. O segundo mandamento é: Amarás teu próximo como a ti mesmo. Não existe outro mandamento maior do que estes”. (Marcos 12, 28 b –34).

O Papa Bento XVI foi filósofo e é teólogo. Sua primeira Encíclica relembrou a essência de Deus anunciada ao mundo por seu Filho, Jesus Cristo: “Deus caritas est” (Deus é caridade, Deus é amor). O amor de Deus não admite coexistir com a violência. Isso quer dizer que a fé cristã, em todas as circunstâncias, impõe testemunho do amor. Não há violência justa. Não há como harmonizar, fundir, misturar, o amor e a violência. Quem ama não pratica a intolerância, o preconceito, a calúnia, a mentira e a hipocrisia. Essa é a fonte original da ética e da moral cristãs.

O verdadeiro cristão tem compromisso com a vida. Preserva a vida em todos os seus aspectos. A vida ambiental. A vida animal. Especialmente a vida humana. A destruição e a violência universais são demoníacas porque afrontam, renegam e abjuram a relação entre Deus e o homem: o amor. Os tempos atuais, incertos, inseguros, insensíveis, injustos, pérfidos, insensatos, constituem desafios da mesma magnitude das adversidades enfrentadas pelos primeiros cristãos. Há no mundo um conflito entre a espiritualidade e o hedonismo (determinação do prazer como o bem supremo, finalidade e fundamento da vida moral). O hedonismo é fonte primária da crise universal. Impõe-se novo limiar de esperança…

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