Novembro – Tribuna do Norte

Novembro – Tribuna do Norte
Publicado em 29/11/2024 às 0:09

Dácio Galvão
Mestre em Literatura Comparada, doutor em Literatura e Memória Cultural/UFRN e diretor da Fundação Cultural Helio Galvão

Quem poderá entender o Brasil culturalmente abstraindo conceitos etnológicos e filosóficos oriundos, respectivamente, de Mário e Oswald de Andrade? Quem? O país-entidade (não confundir com identidade) que Mário costumava se referir ou o país-Pindorama (“Tupi ou não tupi, eis a questão”) plasmado no preceito provocativo de Oswald? Eles continuam inquietando. E valendo. É magma do vasto território estruturado na diversidade. Permitindo as coletas do interior para o regurgitamento cosmopolita. O residual das camadas culturais formadoras subalternizadas na indiferença da elite alienada. A latência se abre para a absorção, confronto e devolução para o exterior. Impondo carimbo para o estrangeiro. Abolindo xenofobismo ou posição de inferioridade. Se comportando na condição de alteridade.

Deve nos interessar o contributo. A vida pessoal de um ou do outro… A análise lúcida esclarecedora sobre o pensamento de OA pousa nos sintéticos ensaios de Benedito Nunes. Um de seus principais exegetas. Aponta para a perspectiva da reversão neocolonial e da marca libertária proposta por intelectuais -1928- gravitando em torno de ideias para uma sociedade desreprimida do patriarcado. A opção era por um certo progresso matriarcal “numa projeção utópica de suas possibilidades, a livre comunhão de todos”. A banalidade de se conceituar a antropofagia oswaldiana -numa corrente simplista e redutora- é ignorar o aprofundamento que o autor do manifesto antropófago fizera lendo os escritos de Montaigne, Freud, Nietzsche e Keyseling… em “Um Aspecto Antropofágico da Cultura Brasileira: O homem Cordial” incluso nos Anais do Primeiro Congresso Brasileiro de Filosofia -SP,1950- ele vai de Sérgio Buarque de Holanda na definição do caráter generoso, hospitaleiro do homem cordial brasileiro. Na “Marcha das Utopias” publicação póstuma de 1966, MEC, fecha o texto num libelo aos tempos atuais: “A utopia é sempre um sinal de inconformação e um prenúncio de revolta”. Para nós em tempos distópicos, e retinas voltadas para as telas azuis produzindo algoritmos a despejar informações desprovidas do reflexivo é a máxima estonteante. O mínimo é repensar. Ler ou reler a escritura do polêmico autor paulista que recebe no momento uma fortíssima e memorável investida do Itaú Cultural armando a exposição “Ocupação Oswald de Andrade”. Oportuno! Figura inserida na literatura, no cinema, na música, no teatro e nas artes visuais atravessando o século XX e cabendo no escopo de discussões do momento. Considerando certo debate vincado as políticas afirmativas envolvendo etnias periféricas e temáticas romancistas que dialogam com as produções dos anos de 1945: Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos, Jose Lins do Rêgo…

O mestre articulou teorias do manifesto Pau-Brasil, à Antropofagia e as Marchas das Utopias passando a ser incômodo ao cânone. Paira fora. É fato que “toda vez que vem à tona, o cadáver de Oswald de Andrade assusta”, assinalou Décio Pignatari.

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