“O Brasil da Faria Lima não existe mais”, diz Jorge Viana
Durante o programa CB.Poder — uma parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília — realizado na última quinta-feira (28/11), Jorge Viana, presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (APEX), falou sobre questões sensíveis relacionadas ao agronegócio brasileiro e criticou duramente o boicote do Carrefour às carnes nacionais. Segundo ele, as declarações da empresa francesa não apenas prejudicam diretamente o agronegócio brasileiro, mas também são infundadas, desinformadas e configuram “um erro muito grande”. O presidente avaliou que o Brasil é reconhecido internacionalmente por seu rigor nas questões sanitárias, contando com técnicos altamente qualificados e uma infraestrutura de referência mundial no setor.
Na conversa com as jornalistas Denise Rothenburg e Sibele Negromonte, Viana também abordou os conflitos envolvendo o setor financeiro da Faria Lima, relacionados à alta do dólar e aos cortes de gastos, além de destacar os esforços do governo para incentivar investimentos voltados aos pequenos produtores, fortalecendo sua participação no mercado e promovendo maior equilíbrio regional nas exportações.
Confira a entrevista na íntegra:
Tivemos recentemente o episódio do Carrefour que tentou colocar a carne brasileira em segundo plano, o agro não gostou e nem o governo, como é que vai ficar isso?
Essa questão do Carrefour toca diretamente no que fazemos. Acredito que foi um erro muito grande. No próximo ano, teremos o ‘Ano da França no Brasil’ e o ‘Brasil na França’. Já trabalhei na iniciativa privada com franceses, e então vem um senhor de uma empresa e fala certas coisas. Mas ele não foi o único, a ministra da Agricultura da França também fez declarações equivocadas. Me desculpem o termo, mas considero essas falas como ‘bobagens’, no sentido de que não eram verdadeiras. Usaram argumentos falsos para dizer que não queriam mais comprar carne e proteína do Brasil.
Hoje, se há um país que é extremamente zeloso com as questões sanitárias, esse país é o Brasil. Temos técnicos de excelência e uma estrutura que é referência mundial. Não faz sentido um ataque baseado em algo que é justamente um dos nossos pontos fortes. Se o questionamento fosse sobre desmatamento no governo passado, até seria compreensível, mas, neste governo, o desmatamento está diminuindo. Temos programas de educação ambiental, proteção aos povos indígenas e nossos produtos continuam crescendo em aceitação. O Brasil é muito cobiçado no mundo inteiro, e temos trabalhado incessantemente para garantir segurança alimentar e fechar contratos estratégicos.
Os franceses sabem disso. No entanto, posso dizer que o que eles compram de proteína do Brasil é quase insignificante, especialmente a França, e até a Europa como um todo. Então, o problema não é o volume de vendas, mas sim a imagem do Brasil, que acaba sendo afetada por uma agressão baseada em argumentos falsos. Isso é o mais grave.
O que esse episódio mostra sobre Mercosul e União Europeia. Onde é que anda essas negociações?
Primeiro, considero essa situação uma agressão e um posicionamento equivocado, embora já tenham encontrado uma forma de pedir desculpas. Essa postura está claramente relacionada a disputas internas. Nesse contexto, o ataque ao Brasil foi, na verdade, uma estratégia para proteger seus interesses.
A França tem deixado claro que não concorda com o acordo entre o Mercosul e a União Europeia. Essa resistência é mais consequência de problemas internos da França do que do acordo em si. É importante lembrar que estamos falando de um tratado que já tem 20 anos de negociações e que pode formar um dos maiores blocos econômicos do mundo, abrangendo 700 milhões de pessoas. Ele reúne regiões que são grandes produtoras de alimentos e proteínas animais — fundamentais para a dieta global — além de reservas importantes de minerais e petróleo, como as que o Brasil possui. Qualquer bloco econômico do mundo teria interesse nesse acordo.
Acredito que as negociações estão progredindo. Nesta semana, por exemplo, estive com a princesa Astrid da Bélgica em São Paulo, durante um evento. Participei de um almoço com ela, e, em uma reunião com o ministro Alckmin, ela explicou que a Bélgica está favorável ao acordo. A maioria dos países europeus está a favor, o que pode alterar significativamente a geografia econômica global.
Acredito que o acordo será benéfico para ambos os lados. Ele é claramente bom para o Brasil, mas, sem dúvida, também será muito vantajoso para os europeus.
Agora em relação à relação dos Estados Unidos com a eleição de Trump, como é que fica essa relação?
Os Estados Unidos são o maior investidor estrangeiro direto no Brasil. A retomada da indústria no Brasil é algo muito positivo, especialmente com a recriação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, liderado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, que tem feito um trabalho extraordinário.
Atualmente, estamos vendo uma recuperação industrial no país. Apesar da previsão de queda de cerca de 1% no desempenho do agronegócio brasileiro este ano, devido à redução dos preços das commodities — embora o volume continue crescendo —, as exportações industriais têm registrado aumento. O crescimento geral das exportações brasileiras está em torno de 5%, puxado principalmente pelo setor industrial, o que é extremamente benéfico, pois estamos falando de geração de empregos e de produtos com alto valor agregado.
Os Estados Unidos, portanto, precisam continuar sendo uma prioridade para o Brasil. Quanto a questões políticas, como as relacionadas ao ex-presidente Trump ou outros fatores, acredito que negócios devem ser tratados separadamente, com pragmatismo. O próprio presidente Lula já ressaltou isso.
O presidente Trump divulga uma onda de taxações, no México, na China. Como você acha que essa onda vem para o Brasil?
Eu acredito que essa postura tem reflexos no mundo inteiro. Ele (Trump) deixou clara a posição de priorizar a América em primeiro lugar, em segundo lugar e em terceiro lugar. Essa abordagem, ao impor tarifas sobre produtos, pode gerar inflação em algumas regiões do mundo e certamente impactará a balança comercial de vários países.
No Brasil, durante o governo passado, houve uma postura de confronto tanto com a China quanto com os Estados Unidos, ao invés de aproveitar as oportunidades de comércio. O resultado foi que o comércio com os Estados Unidos estagnou, enquanto outros países ampliaram seus laços. Além disso, durante os anos de crise e com o enfraquecimento da diplomacia presidencial, o Brasil acabou se isolando.
Com o presidente Lula, estamos vendo uma retomada da diplomacia presidencial, que é essencial para fortalecer os laços comerciais. Em parceria com a Apex e o Ministério das Relações Exteriores, realizamos encontros empresariais em diversos países. Estivemos na Alemanha, na África e organizamos 12 encontros empresariais que reuniram entre 150 e 200 empresários brasileiros de grandes grupos, todos arcando com seus próprios custos de viagem. O presidente Lula participou do encerramento de dois desses encontros, junto com o vice-presidente Geraldo Alckmin, totalizando 14 encontros empresariais desde o início do governo.
Essa ‘volta da diplomacia presidencial’ é fundamental. O presidente Lula tem se mostrado extremamente dinâmico, participando de encontros bilaterais que sempre incluem uma agenda empresarial. Essa abordagem proativa é o que pode recolocar o Brasil em uma posição estratégica no comércio global.”
Tivemos o novo anúncio dos cortes e do novo pacote do governo o que deixou o dólar lá em cima, como resolver essa questão?
Eu converso com pessoas da Faria Lima desde a época da campanha, e acredito que a modelagem que eles têm ainda está muito presa a um Brasil que já não existe mais. Esse Brasil mudou. Agora, somos um país que quer ocupar espaço no mundo, melhorar seu parque industrial e se atualizar na nova agenda global. E qual é essa nova agenda? Descarbonização, enfrentamento da crise climática e da crise demográfica. O Brasil é um dos poucos países do mundo com condições privilegiadas para se posicionar bem nesse cenário e liderar essa nova era.
O Brasil não pode continuar sendo apenas um exportador de commodities nesse novo panorama. Quando pensamos em hidrogênio verde, por exemplo, só pode produzir quem possui energia renovável, e o Brasil tem isso em abundância. Diante desse cenário tão promissor, eu realmente não entendo por que a Faria Lima parece estar com um mau humor tão grande em relação ao Brasil. O mundo deve crescer 2,5% segundo as últimas projeções, e o Brasil, 3%. A cada revisão, nossas perspectivas melhoram. Antes, estimavam 0,8%, agora falam em 3,3%. Temos uma inflação baixa, investimentos em alta e avanços significativos, como o ajuste fiscal anunciado pelo ministro Haddad, que é responsável, equilibrado e promove uma transição para um ambiente fiscal mais rígido, mas sem excessos.
Não há justificativa para o Brasil, que vive um momento tão promissor, ter juros tão altos enquanto o mundo enfrenta crises com juros baixos. A postura não pode ser de mau humor ou otimismo, mas de defesa do Brasil. O mundo quer investir aqui, quer comprar nossos produtos. Precisamos trabalhar para ampliar nosso leque de exportações, sempre com cuidado em integrar valores como ESG — governança ambiental, social e corporativa.
E para o médio e pequeno produtor brasileiro, como é que anda essa questão da exportação no Brasil?
Essa é uma grande preocupação nossa na Apex, e minha em particular. Estamos desenvolvendo o programa ‘Exporta Mais’, dialogando diretamente com os governadores. Já visitei praticamente todos os estados das regiões, e é no Norte e Nordeste que veem o maior potencial de crescimento exponencial.
No Norte, podemos avançar muito com a bioeconomia na Amazônia, que é fundamental para o mundo, e com o mercado de carbono, que está sendo regulamentado e deve atrair muitos investimentos. No Nordeste, temos oportunidades incríveis com o hidrogênio verde, a energia renovável e os polos industriais, como os de confecções e calçados, que são extremamente fortes.
Claro, isso não significa que vamos deixar de contribuir para o crescimento do Centro-Oeste, Sul e Sudeste, mas é essencial equilibrar melhor o desenvolvimento regional, aproveitando os potenciais específicos de cada área.