O sono do amor – Tribuna do Norte

O sono do amor – Tribuna do Norte
Publicado em 16/11/2024 às 14:09

Vicente Serejo
[email protected]

Nada espanta numa biblioteca, Senhor Redator. E nada incomoda. Nem o grito, o silêncio e o sono dos livros que jamais serão lidos e vivem sem compromissos com o seu dono. Muitos deles grifados, mas nenhum cobra nada deste vigia. No entanto, são boas companhias. E basta. É bem verdade que de vez em quando é natural passar os olhos nas suas páginas, no passeio de reencontros, e nelas viver a presença antiga dos autógrafos de época, de quando viveram, célebres, em outras mãos.

No mais, dormem. Profundamente. Como os avós do poeta Manuel Bandeira na casa da Rua da União. Vivem livres dos olhos exigentes e cultos e, por isso, a vida aqui é simples. E se apenas por instantes o indicador vai puxá-los da estante, e acordá-los, é só pela necessidade de fazer a citação certa, se o cronista precisa lembrar com exatidão. Nada mais. Não tivessem necessidade de fazê-los viver na crônica de todos os dias, e nada seria capaz de ferir o sono calmo e bom das horas sem fim.

E há os que se perdem dos olhos. Deixam seus lugares e ficam escondidos dias e dias, cansados da vida sem novidade. Até que outra vez apareçam, encabulados, no escuro de alguma das salas que são seus quartos de dormir. Um anotador, por mais humilde que seja no seu ofício, e é, precisa viver em paz para vivê-los. São companheiros de uma curta ou longa viagem. Vão levando a sua carga de palavras. Vivo – pra que negar? – de pedi-las emprestado – o que de melhor e pior dizem do mundo.

Houve um tempo, levado pelas ventanias da juventude, que imaginei dominá-los. Ora, parecia fácil. Eram poucos e estavam todos ali, perto das mãos e dos olhos. Com os anos, as prateleiras foram invadindo os espaços e hoje o prazer mudou de lugar no coração envelhecido nas suas esperanças, até restar um homem satisfeito com a sua própria derrota. Agora é tarde para afagar o sonho que um dia enganou esta alma vadia. O jeito é ser assim, um vigia de pequenos segredos e de alguns mistérios.

Lembro de um artigo que li, não sei se ficção ou realidade, de um grande leitor que levou sua vida a reunir livros, num apartamento vizinho que comprou para que os livros não tomassem o lugar da mulher e dos filhos. Era médico. Um homem desses que vivem para o trabalho e a casa, as viagens e as longas noites de leitura. Um homem bom, diziam todos, a família e os amigos, e senhor de um amor sincero e sem aventuras, dedicado a receber alguns poucos visitantes nas conversas sobre livros.

Com mais de setenta anos, um dia sentiu-se mal. Médico, viu que seu coração ameaçava parar. Claudicava sem o belo vigor de antes. Pediu que o levassem ao hospital. Constatado o enfarto, ficou hospitalizado. O coração, apesar dos cuidados, não reagiu, e ele faleceu. Meses depois, quando a família foi se desfazer dos livros, encontrou várias cartas de amor de uma mesma paixão. É que ainda vivia ali, escondido no silêncio das páginas daqueles milhares de livros, um velho e grande amor…

PALCO

AVISO – A governadora Fátima Bezerra, nem com a força do governo, aprova sozinha o aumento da alíquota de ICMS de 18 para 20%. A vitória passa pela mesa do presidente da casa, Ezequiel Ferreira.

ALIÁS – A prevalecer a prática dos últimos seis anos, nem o PSDB chegará unido ao dia da votação em plenário. As críticas são legítimas, mas, em política, as razões nem sempre vencem os interesses.

CENÁRIO – Continuam paralisadas as obras da reforma no Centro de Convivência, no Campus da UFRN. A nova empresa não instalou o seu canteiro de obras. É a mais longa e interminável reforma.

ESPAÇOS – Alguns nomes do segundo escalão da equipe de Álvaro Dias terão espaço nas secretarias ocupadas por secretários a serem indicados pela gestão atual. Seria a forma política de acomodação.

ARADO – O escritor Itamar Vieira Junior lança, na Flipipa, a edição especial do seu ‘Torto Arado’. Revista e com a reprodução das capas das edições traduzidas em dezoito países. Um grande recorde.

MAIS – O editor Abimael Silva tem novidade na Flipipa: lança a segunda edição do ensaio de Erland Nordenskiöld sobre os gases asfixiantes. Tradução de Protásio Melo e as notas de Câmara Cascudo.

POESIA – Do poeta Andrey Pereira de Oliveira no primeiro dos ‘Versos de Bilhetes de Museu’ do livro ‘Coruja de Trapo’, sobre a Vênus de Milo: “Cioso de amor, / quem te sequestrou / os braços?”.

RESTO – De Nino, o filósofo melancólico do Beco da Lama, puxando o charuto lentamente e ainda úmido do último gole de uísque: “Haverá sempre um resto de amor numa das velhas gavetas da alma”.

CAMARIM

NATAL – Não deve ter sido surpresa para os leitores desta coluna a presença de filhos, de um lado e outro, na comissão de transição. Além de algumas dezenas de coadjuvantes. Resta saber se o papel que exercerão será de fonte ou precaução. Em política a prevenção é sempre um cuidado essencial.

CULTURA – A classe da área cultural não declara, mas mantém uma grande expectativa em torno do nome que vai assumir a Capitania das Artes. O produtor cultural Cláudio Porpino é um dos nomes cotados, ele que conhece a máquina municipal e está entre os fundadores do Carnatal. Seria a opção.

CUIDADO – As fontes informadas que transitam pela Ulisses Caldas, com acesso livre ao primeiro andar do Palácio Felipe Camarão, acham que o anúncio oficial da equipe só será feito nos últimos dias de dezembro. O que revela, se verdade, um silêncio respeitoso à gestão do prefeito Álvaro Dias.