Os riscos da automedicação – Tribuna do Norte
Geraldo Pinheiro
Médico psiquiatra
Recentemente, foi notícia pública o caso de uma modelo que morreu devido ao uso inadequado, sem orientação médica, de um medicamento chamado cetamina (ou escetamina). Esse artigo se propõe a falar um pouco sobre os riscos do uso de medicamentos sem orientação do profissional médico e também esclarecer alguns pontos que ficaram obscuros, em algumas mídias que trataram do assunto, sobre esse medicamento em específico.
Todo medicamento é produzido com um objetivo, com um fim. Todo medicamento tem suas indicações e contraindicações. Não há medicamento perfeito. Todos têm seus defeitos e qualidades. Não há uma regra 100% precisa e absoluta para predizer que esse ou aquele medicamento vai dar completamente certo ou completamente errado. É claro que os médicos não trabalhamos “no escuro”, mas é claro também que trabalhamos apenas com estimativas de riscos e benefícios. Fazemos isso baseados nos estudos sérios da ciência; baseados em anos, décadas de treinamento; e, também, baseados na arte de exercer a medicina.
Quando dizemos que há indicação pra uma pessoa fazer uso de um medicamento, estamos dizendo, em outras palavras, que as chances de tal pessoa melhorar com o medicamento é maior do que a de o medicamento trazer algum mal. Da mesma forma, quando dizemos que um medicamento é contraindicado, estamos dizendo que os riscos de um medicamento trazer algum prejuízo é maior do que trazer benefícios.
Com a cetamina, não é diferente. Este medicamento é velho conhecido na prática médica (e não é de uso apenas veterinário, como foi dito em alguns locais…). Inicialmente, usado apenas para procedimentos anestésico-cirúrgicos, começou-se a verificar que ele poderia ser benéfico no tratamento da depressão. Como é de praxe na ciência, muitos estudos foram feitos (e ainda estão sendo feitos) para o uso da cetamina na depressão, com excelentes resultados.
Ele tem se mostrado extremamente valioso em casos de depressão mais grave e risco de suicídio mais eminente e com resultados, não raras vezes, quase imediatos. Todavia –– como alertamos ––, não é isento de riscos e o seu uso deve ser feito de forma controlada e respeitando as contraindicações.
Também é verdade que, frequentemente, medicamentos podem trazer efeitos colaterais. Alguns efeitos colaterais da cetamina –– ditos em termos mais simples –– são a percepção visual e/ou auditivas de entidades inexistentes e uma vivência alterada da sua própria consciência e da realidade externa. Algumas pessoas acabam usando a cetamina com o objetivo de obter tais efeitos colaterais (com intenções ditas recreativas); contudo, o medicamento não se presta a esse fim; esta não é uma indicação deste medicamento. Na verdade, esses efeitos são indesejados.
Não sei exatamente o que aconteceu com a modelo, não sei quais eram os seus objetivos ao usar a cetamina, mas certamente foi uma tragédia pessoal. E essa tragédia deve servir pra alertar a população geral –– não sobre a cetamina, que é um medicamento excelente, com suas indicações e contraindicações, riscos e benefícios e que continuará a ser usado para beneficiar as pessoas; mas sobre os riscos extremos da automedicação.