Outubro – Tribuna do Norte

Outubro – Tribuna do Norte
Publicado em 18/10/2024 às 5:43

Dácio Galvão
Mestre em Literatura Comparada, doutor em Literatura e Memória Cultural/UFRN e diretor da Fundação Cultural Helio Galvão

Tomamos conhecimento da literatura de João Gilberto Noll nas aulas da professora Ilza Matias de Sousa. Curso de Letras. O autor do clássico “Acenos e afagos” é reconhecido nos Estados Unidos, na Argentina, na Espanha e na França. No Brasil conquistou premiações, inclusive póstuma, em 2023. Produziu textos traduzidos em roteiros cinematográficos. Uma escritura visual.

Cursando universidade gaúcha dividiu aprendizados com Caio Fernando Abreu. Ambos faturaram várias vezes “Prêmio Jabuti de Literatura” na categoria contos, crônicas e novelas. Fomos chegando no mundo-Noll. Melhor: na captação de situações transfiguradas e fixadas por um escritor sensível.

Nem sempre digesto. Capaz de provocar reflexões inusitadas do real. Povoado de personagens desterritorializadas. Descentradas. Embaladas circunstancialmente no jazz. Eventualmente sobrecarregadas de características migrantes. Transnacionalidades. Um craque em mergulhar no universo singular das margens sociais apontando para alguma estranheza de ordem psíquica.

Tensionando o clima e nos levando nesses horizontes ambientais a repensarmos a condição de como enxergarmos os outros. Fora de linearidades. Dentro de processos excludentes.

O jeito do preto, silencioso e só: Bissau! De cumprimentos monossilábicos. Pouca gestualidade. No bairro do Tirol, o caminhante dribla reverberações políticas eleitoreiras. Sentindo a afetação do bairro. Cambaleando em circunavegação. É figura-Noll. De ignorada origem étnica resultado de tipologias ancestrais entrecruzadas. Advindo do mundão adverso. Figura no ritmo da captação textual denunciadora. Pescado nas bordas comportamentais. Onde se localizam transeuntes tipificados na pós-modernidade capitalista. Nas periferias dos afetos.

E não necessariamente nas periferias de territórios físicos. Nos ensinamentos das aulas da mestra Matias, sobrava a avaliação do impacto da indiferença. Pelo outro. O que revela, e o que causa. Podendo corresponder a irresponsabilidade cidadã. Ou ao cancelamento de perfis não visibilizados. Partindo sempre do escritural e do produtivo fazer criativo. Enredando fatos e criaturas. Engendrando pensamentos críticos.

A arte literária de JGN absorve e aposta nesse universo. Tratamento refinado para histórias brutas nem tão ficcionais. Impondo reflexões. Ou seja: transformando similaridades cotidianas em gêneros literários -contos e romances- possibilitadores de capturas incomuns. O real existe. E resiste. Convencendo da atualidade comovente dessa narrativa calcada na literariedade suscitadora da sensação inequívoca de que o mundo está virado.

Outubro -eleições em curso- martirizando Bissau, provoca memórias de um tempo. Mas há o consolo da efeméride oswaldiana:70 anos da sua morte. E a biografia de quem desafia o coro dos contentes permanentemente titulada “Oswald de Andrade: O Mau Selvagem”. Assinada por Lira Neto (autor confirmado no Festival Literário da Pipa) a ser lançada brevissimamente.

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