Perscrutando as estrelas – Tribuna do Norte
Cláudio Emerenciano
Professor da UFRN
Os homens se perdem ao ignorar ou repelir as evidências de sua destinação. A vida proporciona discernimento da vocação de cada um nos momentos de silêncio e reflexão, quaisquer que sejam suas circunstâncias: justas ou iníquas, dignas ou aviltantes, ternas ou brutais, pacíficas ou violentas, felizes ou amargas, mansas ou agitadas.
Esses instantes, infelizmente perdidos e desperdiçados pela grande maioria, apontam o caminho das estrelas. Infundem a consciência da beleza e da paz universais, caminhos para Deus. Renovam esperanças, sonhos e buscas nos rumos da felicidade. Libertam o homem de si mesmo. Exorcizam coisas passadas, que aviltaram a condição humana.. Enfim, permitem vislumbrar e assimilar o sentido universal da vida: o amor.
Eis o homem novo, no dizer de São Paulo. Incorporado indefinidamente pelo Cristo à plenitude da Luz: “Eu sou a Luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas; pelo contrário, terá a luz da vida” (João 8,12). Desfrutando com Deus do amor à vida e a tudo que é parte da Criação. Há vergonhas que infelicitam a humanidade até hoje. Evidentes no Brasil, vivendo uma crise realimentada por inescondivel erosão moral. Nela predominam violência, corrupção, impunidade, ódio, mentira, indiferença, desfaçatez e a miséria de tantos e tantos.
No Brasil oficial, que não corresponde ao real, tanto no âmbito público quanto privado, predomina um imobilismo para combater e erradicar os malfeitos. Empurram com a “barriga” desafios, que deveriam ter sido enfrentados há anos. Acumulam-se decepções, enquanto valores espirituais, éticos e morais se estiolam ao sabor de um amoralismo estúpido e boçal. Uma falsa “calmaria” parece antecipar um tsumâni social, desagregador do que nos fez e ainda nos faz como nação. A egolatria crescentemente confina a solidariedade. Algo monstruosamente previsto: a desintegração das instituições e a decadência imposta…
Quando eu tinha três ou quatro anos, espantava-me o espetáculo, à noite, da luminosidade de holofotes, devassando os céus de Natal. Feixes de luz pareciam não ter fim. A percepção da criança ampliava as proporções daquilo. A Guerra terminara. Explicação: sinais para algum avião, que emitira um SOS. A cidade era mal iluminada. Enquanto não me punham para dormir, encantava-me olhar as estrelas. Com o passar dos anos, adolescente, adulto, agora setuagenário e avô, sempre me arrebato ao contemplar os céus à noite. Com luar ou sem luar. É como se o meu ser tivesse asas e voasse, contemplando surpreendentes manifestações da condição humana.
Em todos os tempos e lugares. Nos campos e nas cidades. Nos vilarejos mais humildes, simples, isolados, onde as vaidades inexistem. Até aos fantásticos e impactantes centros cosmopolitas, onde impessoalidade, isolamento e anonimato desfiguram a vida. Subtraem das relações humanas solidariedade, caridade e humildade. Chamo essa percepção de dádiva de Deus. Coisas que me remetem ao sentido da vida.
Antoine de Saint-Exupéry, Thomas Merton e Teilhard de Chardin reafirmaram algo que os homens, em sua estupidez, persistem relegar: a vida somente se desvenda plenamente com amor e paz de espírito. A ciência, enquanto destituída desses sentimentos, não alcança a Luz: privilégio dos justos e humildes de coração. A dimensão cósmica do amor. Num dos livros mais belos e fascinantes sobre a vida de Jesus, “Jesus no seu tempo”, Daniel-Rops, com base nos Evangelhos, descreve momentos de solidão e oração do Mestre. Após um dia fatigante, Ele subia montanhas e rezava por toda a noite. Como aquela vez, na qual foi envolto numa luminosidade em transfiguração. O silêncio é, especialmente, circunstância da espiritualidade.
Anatole France em “Crainquebille” e François Mauriac em “O Deserto do Amor, anteciparam-se à atual crise universal. Deploraram o desamor, a violência e a falsidade, que germinam decadência, perplexidade e medo. Até quando?
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