Qual é o futuro do X após o desbloqueio do serviço no Brasil?
Foram quase 40 dias indisponíveis no Brasil, mas o X, antigo Twitter, está prestes a voltar. O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes determinou nesta terça-feira, 8, o retorno imediato da rede social – o bloqueio havia ocorrido após a empresa insistir em não obedecer às decisões judiciais no País. O movimento, claro, fez muitos usuários procurarem plataformas alternativas, como o Threads e o Bluesky. Agora, com a empresa regularizada, surgem uma série de questões sobre o seu futuro no Brasil.
A liberação do serviço de Elon Musk aconteceu depois que o X indicou oficialmente um representante da empresa no País, suspendeu contas que disseminavam conteúdos de ódio e desinformação e pagou multas. Mas isso não significa que os problemas do X com a justiça brasileira chegaram ao fim – o futuro promete outros embates.
Para Bruna Martins, do Grupo Consultivo Multissetorial do Fórum de Governança da Internet das Nações Unidas, será necessário observar se o X vai, primeiramente, manter seu representante no Brasil após o restabelecimento da rede social no País.
“Se tem uma coisa que o próprio X não demonstrou nos últimos anos foi alguma espécie de consistência com relação a essa relação entre autoridades e a própria plataforma. Por mais que seja positivo esse momento de uma possível indicação de representante jurídico no País, vale esperar e observar quais serão os próximos movimentos. Só a indicação de um representante jurídico no País não basta”, afirma a especialista.
O futuro do X no Brasil também pode carregar resquícios do embate entre Musk e Alexandre de Moraes, já que o bilionário já indicou que nem sempre vai continuar colaborando com a justiça brasileira.
Na decisão de Moraes que resultou no bloqueio do X, por exemplo, havia o pedido de suspensão dos perfis do senador Marcos do Val (Podemos), do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos e do youtuber Monark, por ataques ao judiciário brasileiro, desinformação e discurso de ódio. No caso de Allan dos Santos, seu perfil já tinha sido bloqueado, pelo menos, uma outra vez, em 2021, também por ordem do ministro do Supremo, e acabou desbloqueado por Musk.
“Ainda que o STF possa ter esse embate com o X, é difícil que personagens como esses [suspensos da plataforma] parem de tomar os condutos que eles estão tomando. Então, esse é um conflito que vai continuar na plataforma. A questão é: qual vai ser a postura do X com o ressurgimento desse conflito?”, afirma Guilherme Klafke, aponta o professor do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito SP.
Isso deve significar que a relação entre a rede social e o País pode se dar caso a caso, com resoluções de problemas sendo tratados individualmente – a depender de ordens judiciais específicas para retirar conteúdos da plataforma ou remover usuários, por exemplo.
Ainda assim, qualquer relação futura coloca o STF em uma posição de força perante os caprichos de Musk. O Brasil, como um mercado grande e relevante para redes sociais, tem impacto na plataforma e pode ter, inclusive, gerado pressão dos investidores e anunciantes da rede social.
O movimento também colocou o País mais próximo de decisões da União Europeia, que tem uma lei específica e forte para regular o comportamento de redes sociais dentro dos países do bloco.
“Para a justiça brasileira, isso é uma vitória, porque você demonstra a força das medidas do judiciário contra uma empresa que abertamente desafiou as decisões judiciais. O Brasil tem muitas ferramentas jurídicas que permitem dar dor de cabeça para o X e para o Elon Musk”, diz Klafke.
Usuários vão voltar?
Outra grande sombra sobre a rede é se os usuários vão voltar – rede social, afinal, é hábito e o X saiu da rotina brasileira por mais de X mês. Durante o período de bloqueio, as pessoas se distribuíram entre o Bluesky, que atingiu 10 milhões de usuários, e o Threads, que não teve números divulgados sobre a migração brasileira.
Ainda assim, especialistas dizem que o conjunto de ferramentas do X e as comunidades já estabelecidas – tanto nos nichos quanto na interação com outros países – deve fazer com que haja um movimento de retorno em massa à plataforma de Musk.
Ferramentas como vídeos no feed e trending topics são parte importante da comunidade de microblog e podem ter um papel importante na atração – nem mesmo a ausência de moderação deve frear isso. Mais importante: a possibilidade de monetização de conteúdo deve levar de volta influenciadores e seus seguidores
Isso porque nenhuma das plataformas substitutas do X possuem essas ferramentas. O Threads, como uma extensão de texto do Instagram, concentra a monetização de usuários na rede de fotos e o Bluesky ainda não possui a funcionalidade. No Brasil, existem 10,5 milhões de influenciadores, segundo a Nielsen. Muitos têm carreira estabelecida no X.
“Quando a plataforma tem algum tipo de monetização, ela tem uma retenção, um estímulo dos criadores para continuarem nessa plataforma. Mas até o momento nada aconteceu nos serviços alternativos. Muita gente ainda não conseguiu recuperar os números que tinham no X. Quando a gente fala de cultura e comportamento digital, a gente entende que o número de seguidores é um capital social”, explica João Finamor, professor de Marketing Digital da ESPM.
Outro ponto observado por Finamor diz respeito ao próprio sentimento de ser “parte do caos” do que está acontecendo no X. Quando a rede social foi bloqueada e os usuários migraram para outras plataformas, era comum ver publicações de paisagens bucólicas e cachoeiras, fazendo alusão à “paz” e tranquilidade dessas bolhas sem os conteúdos considerados tóxicos no X. Mas esse período de trégua pode não ser, exatamente, o que os tuiteiros querem.
“Tem algumas teorias de neuromarketing que mostram que, embora a gente fale que gosta muito do sentimento de alegria, é o ódio que mais mobiliza nas redes sociais. É o que mais engaja e o que mais leva as pessoas a realmente estarem ativas nas redes”, diz ele.
Além disso, o pertencimento dos usuários pode falar mais alto. No Brasil desde 2009, o X foi palco da construção de milhares de comunidades que se fortaleceram ao longo dos anos – desde nichos esportivos à páginas de fã clube. Voltar para um lugar conhecido é natural na vida real e na vida online, segundo a especialista em ciberpsicologia Angelica Mari.
“Existe uma tendência do ser humano em gravitar em direção ao que é familiar e isso também vale para as redes sociais. Acontece muito pelo conforto que os ambientes que a gente conhece proporcionam. Isso fica mais acentuado ainda se uma rede tem um impacto cultural ou pessoal significativo”, diz.
Para Angelica, há ainda mais um motivo para o retorno: a própria personalidade digital do usuário. Para muitas pessoas, cada plataforma tem um funcionamento diferente e exige uma personalidade diferente para se encaixar em determinado uso. Assim, para algumas pessoas, quanto mais redes sociais ela estiver, maior o leque de comportamentos que ela terá que manter. O problema? Todo esse movimento pode causar estresse e ser bastante exaustivo.
“Retornar para uma plataforma com uma base grande e internacional pode trazer uma experiência mais coesa, digamos, porque reduz a necessidade de transitar entre múltiplas identidades digitais. Isso é exaustivo e essa exaustão pode levar a uma vontade de consolidar a presença digital em menos lugares”, explicou.
Estadão