Política
Seu Luís – Tribuna do Norte

Vicente Serejo
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Os velhos sebistas, principalmente os mais idosos, faziam um mundo encantado. Era um privilégio poder conhecê-los mais de perto. Lembro a figura de Seu Luís, um português, fundador da Ornabi, a Organização Nacional de Bibliotecas, instalado em três andares de um edifício antigo, no centro velho de São Paulo, perto do Teatro Municipal. Tinha telefone, daí ser possível consultá-lo e merecer a atenção que compensava as distâncias para qualquer lugar. Antes da Estante Virtual.
Dias depois da consulta, lavada antes por uma conversa agradável, já chegava aquele aviso postal no padrão dos Correios, mais ou menos assim, se lembro: “Prezado cliente: Informamos que temos um pequeno lote do autor”. Se o livro estava disponível, confirmava o título e descrevia como os velhos alfarrabistas de Lisboa: “Em perfeitas condições”. Ou assim: “Temos em estoque”. E acrescentava: “Íntegro, com marcas naturais do manuseio e a sujidade do tempo”. Emocionava.
Era um senhor já de certa idade com um bom domínio de autores e títulos de escritores do mundo inteiro, inclusive de livros não traduzidos no Brasil. De jeito calmo e maneiro, incapaz de não responder a qualquer pedido de informação. Naquele tempo, andava este anotador na busca das edições originais de Mário de Andrade e Câmara Cascudo. Seu Luís era um refúgio seguro e sem risco de ser esquecido, mesmo sendo só, e tão só, um pequeno e teimoso colecionador de província.
Numa viagem a São Paulo, avisei que desejava visitá-lo naquele tão longe dos anos oitenta. Cheguei perto do meio-dia. Conversamos sem pressa, ele atenciosíssimo, percorrendo comigo os três andares da sua Ornabi. Veio viver no Brasil ainda moço e começou prestando um serviço que, à época, era raro. Daí o ‘Organização Nacional de Bibliotecas’. E um dia instalou sua livraria para atender, com a sua fidalguia, aos clientes de São Paulo, mas também de qualquer parte do Brasil.
Diante da hora e do meu encantamento com sua velha Lisboa, convidou para o almoço no ‘Rei do Bacalhau’, não esqueço. Já não voltava a Lisboa com a frequência de antes, mas gostava de lembrar os alfarrabistas do seu tempo. Na volta à livraria, abriu a gaveta de sua mesa e dela retirou uma plaquete, magra, de capa verde, de Câmara Cascudo. Era a edição rara e única de ‘Legis et Consuetudines nos Costumes Nordestinos’, La Habana, 1955”. E disse, risonho: “É um presente”.
Ele sabia da minha procura e do sonho de encontrá-la. É mágico o encontro do colecionador com aquilo que procura. E quanto mais inesperado, mais doce. Outro dia, numa busca de uma data, revi numa das pastas a velha plaquete que neste 1955 completa setenta anos. Ali está o olhar de Cascudo sobre leis e costumes. Ele já sabia que na ausência da lei prevalece o costume. Hoje presto esta pequena homenagem a Seu Luís, da Ornabi. Mesmo sabendo que jamais vai ler essa crônica…
PALCO
HISTÓRIA – Três aeronaves francesas pousam sábado no aeródromo da Lagoa do Bonfim, fruto do trabalho de Marcos Lopes. Hoje um dos polos que leva o RN ao mundo internacional do turismo.
ALIÁS – O turismo do governo até agora não tem uma política de valorização da presença do Rio Grande do Norte na história da aviação. Com nomes internacionalmente consagrados. Menos aqui.
QUEDA – O casamento como sonho ou como golpe do baú, começa a entrar em declínio no Brasil tumultuados nos quais se invoca a pátria e a família. Caiu 3% enquanto o divórcio subiu em 4,9i%.
MEDO – Caiu e muito nos restaurantes os pedidos de peixe frito ou cozido. O medo de intoxicação vai além muito além das previsões. E não renega apenas alguns poucos peixes. Todos são suspeitos.
MISTÉRIO – O escritor Honório Medeiros arrumou seu matulão reunindo roupas e livros e rumou, há dias, na direção do sertão profundo. Só Michaela em notícia na sua nova pesquisa. Mais ninguém.
FEIRA – A oitava feira de livros usados e novos será no período de nove a treze de junho no Centro de Convivência da UFRN. E desta vez com uma novidade: uma banca com lançamentos nacionais.
POESIA – Do poeta Antônio Cícero, os versos que abrem seu poema ‘Guardar’, título do seu grande livro: “Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. / Em cofre não se guarda coisa alguma”.
SONSO – De Nino, o filosofo melancólico do Beco da Lama, sobre a sempre colorida fantasia dos falsos quando exibem a vaidades nos salões feéricos do mundo social: “Neles até a sombra é sonsa”.
CAMARIM
DÍVIDA – Seria um sinal de respeito à opinião pública se a oposição, na Assembleia, convocasse o secretário de tributação do governo, Carlos Eduardo Xavier, para dizer quanto o Poder Executivo deve aos poderes Judiciário e Legislativo. A fonte garante que os valores, somados podem espantar.
CRIVO – A gestão do jornalista Merval Tavares, como presidente da Academia Brasileira de Letras, mostra outra vez a vitória do valor intelectual sobre proeminências políticas, jurídicas e sociais. A eleição do poeta Paulo Henriques Brito como única consagração da ilusão literária da imortalidade.
VIRA-LATA – Dura a denúncia do Intercept-Brasil contra o desejo do imperador Donald Trump de desrespeito à autonomia dos povos punindo o Alexandre de Moraes. Trump parece convencido de que poderá mesmo governar o mundo e acredita no complexo de vira-lata dos brasileiros. Será?
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