Vamembolá – Tribuna do Norte

Vamembolá – Tribuna do Norte
Publicado em 25/07/2024 às 0:43

Dácio Galvão
Mestre em Literatura Comparada, doutor em Literatura e Memória Cultural/UFRN e secretário de Cultura de Natal

Nascido em Pedro Velho-RN Chico Antônio desde os anos de 1920 é realidade e mito. Pouco reconhecido. Na decrepitude gravou um disco. Personagem do romance “Café” é central nos estudos etnográficos “Os Cocos” e “O Turista Aprendiz”. De Mário de Andrade. Em certa medida se projeta na cultura brasileira. Crítico de arte amigo-irmão de Candido Portinari -Antônio Bento de A. Lima- articulou o contato presencial entre M.Andrade/C.Antônio. No Engenho Bom Jardim, Goianinha-RN. O diretor cinematográfico Eduardo Escorel realizou documentário “Chico Antônio, o Herói Com Caráter”. O designer Aloísio Magalhães fundador do “Gráfico Amador” -com Ariano Suassuna e João Cabral de Melo Neto- editou o LP Chico Antônio – No Balanço do Ganzá-1982. Via Funarte/Atração Fonográfica/Instituto Itaú Cultural e o Instituto Nacional do Folclore. O multi-instrumentista Antonio Nóbrega nominou um dos seus CDs: “Na pancada do Ganzá”. Título que M.A. pretendia para reunião de estudos sobre o embolador de cocos. Nóbrega referencia nominalmente C.A. em músicas autorais identitárias.

O cantador emerge nas pesquisas modernistas. Oswald de Andrade abria frente vanguardista europeia recebendo influxos do escritor e psiquiatra francês -militante trotskista- André Breton. Um dos criadores do movimento Surrealista. O autor de “Macunaíma” dava dicas do processo criativo. Era leitor de Freud: “Quando sinto a impulsão lírica, escrevo sem pensar tudo que meu inconsciente me grita”. E fez caminho interno do colega antropófago: viajou o profundo interior do Brasil. Fixando artistas populares. Entre eles: Chico Antônio. Afirmando “…conhecia o coco mas não o sabia de cor. E o cantava por isso com grandes falhas de memoriação, glosando por assim dizer a melodia em riquezas e fantasias inconscientes”. Mundos e atalhos distintos. Ponto comum: o surreal atraía Breton, Oswald, Mário e Chico.

Fora da hegemônica produção modernista a poética corporal de CA pode ganhar tradução. Melhor: tradução-arte. Inovando dança: “cantava andando rodando sobre si, e tinha um jeito entontecedor de rodar duplamente”! Ação assemelhada aos “estados esplêndidos de exaltação numa dramaticidade incrível”. Body Art para a coreógrafa Deborah Colker! Agora vem o lançamento do transgressivo doc musical “Vamembolá”. Equilibrando aspectos experimentais sem exclusão narrativa. Direção da Lucila Meirelles junto ao compositor Cid Campos. Linguagens -imagéticas e sonoras- na tradição e na ruptura. Ela: trazendo na bagagem a metáfora da cegueira no doc “Cego Oliveira no Sertão do Seu Olhar” e o transgressivo José Agrippino de Paula em “Rito do Amor Selvagem”. Ele: musicalizações e tratamentos sonoros de poetas da estirpe de Pagu, Emily Dickinson, Souzândrade, Pedro Kilkerry, Câmara Cascudo, Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari… Na efeméride dos 120 anos de nascimento de CA ele e sua arte -por si- emerge na aldeia global.

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